quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

A vida do poema

O poema nasceu do entalhe
Da imagem roubou o detalhe
E chorou no devir dos versos
Que imitam bons e perversos

Em cólera contou a poesia
Que do livro, partiria
E rumou para a estação
Travestido de coração

A metáfora no caminho encontrou
De uma vida tal qual a palma
E sem pedir licença adentrou
Na alegoria vestida de alma

Ana Oliveira




O humor da cidade

















A fragrância exala
Suas madeiras desbotadas
Levada pelas ventosidades
De saudades anacrônicas
Numa existência infernal
Das madrugadas insones
Calmamente mastigadas
Por um silêncio profético

A meia-luz interior das casas
Liberta a clandestinidade
Consagrada do culto ao prazer
Dos dias que ninguém jamais
Poderá deter ou adulterar
Desse cimento implacável
De uma cidade que transcende
Á carne, indiferente ao tempo

Carregando fardos de agonia 
Enquanto outros flutuam
Em venturas de amores lascivos
Este morredouro de esperanças
Ardente por cheiros e rostos
Carrega a multidão impetuosa
Pelas ruas que estilhaçam vidas
E ventos que embalam sonhos

Ana Oliveira

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

O tempo





















O tempo é o diabo
Se arrasta feito trem carregado
Quando o dia é pesado
Quando a lida não para
Quando o choro não sara
Mas aí corre, desliza, sublima
As horas que não vemos
Os instantes que queremos
Os abraços que eternizamos
O tempo? É o diabo
Engana os amantes
Entendia trabalhadores
Zomba e chafurda
Da cara dos que pedem:
Só mais um pouco!
De alma
De calma
De ajuda
De vida.

Ana Oliveira

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

O balé das horas

















Aprisionada e invisível como um fantasma
Sozinho em uma velha casa abandonada
Oro pelos medos dos meus pensamentos
Tenho segredos ternos e arruinados
Verdades perversas da estranheza da alma

A vida é o barato vazio da irrealidade
Uma noite profética que perturba a calma
É como beijar o etéreo no inferno
Balbuciando palavras sem sentido
É abrir as cortinas do delírio dos olhos

Sorrindo a dor com os lábios fechados
Meu corpo ausente de um ontem maculado
Roga às suas mães índias da América Latina
Que limpem seu rosto queimado e mutilado
Pelo balé das impiedosas velas dançarinas

Ana Oliveira

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Metamorfosis














Maldita sea la poesía
Que nos hace metamorfosear
Los vómitos en cosas bellas
El poeta pega las tristezas
Lava bien, rutina, amasa
Mistura con ingredientes dulces
E vira verso, después,
Distribuye en pociones generosas
O homeopáticas por el universo
Va a depender de la dosis del alma
Que necesita cada corazón
Cuando el dolor quiere ser amor,
La pluma sienta e escribe.

Ana Oliveira

Embriaguez

















Tenho bebido saudade
E continuo morta de sede
Lambo tuas fotos
Que têm cheiro e textura
No mesmo momento em que
Me embriago vendo teu vulto
A dançar pelo quarto
O velho espelho que
Já refletiu nosso desejo
Agora revela com pesar
A sombra opaca do vazio
O coração da minha boca
Chora enquanto mastiga
A própria carne que sorri
Ando comendo os olhos
Dos sonhos proibidos
Que guardam teus regalos
No baú das horas perdidas
Me arrasto pelos porões da dor
Procurando os gritos de êxtase
E só encontro as memórias
Amareladas do nosso ontem.

Ana Oliveira

Passarinho
















Ando enlouquecida
De tanto escrever você
Não descanso meus olhos 
Porque pressinto 
Que teu voo está próximo
Sei que, sem teu abraço
Sou um vento inabitado 
Uma corrente que teima em vazar 
Pelos vãos dos teus dedos 
Para morar nas confusas 
Linhas da tua mão 
Minha alma anda furiosa 
Deseja ser as páginas acariciadas 
Do teu livro de cabeceira 
Pisa em teu peito perfumado 
Como que em folhas de outono 
Cravando garras e asas 
Na fantasia de mais algum instante 
Do teu beijo mordido, cuspido 
Ando cega e tonta pelos versos 
Sem saber se o nosso tempo 
Há de ser quando ou onde 
Escalo teu corpo com febre 
Espalhando pedaços de saudade 
E um rasto de amor imortal.

Ana Oliveira

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Vertente


Há dias em que deságuo. Ninguém vê ou supõe porque o estado líquido da gente é como uma cascata escondida no meio do mato selvagem. Essa que passeia silenciosa entre as pedras que abraçam e consolam sem saber por quê. São tão longos esses dias de chuva. Inundam o velho e cansado peito de um jeito, que nem mesmo o vento seco de verão é capaz de levar os fluídos para onde tudo é doce e permitido. Há poucos meses fiz um acordo com o universo: Que cada um de nós encoraje seus vícios e propósitos, desde que a angustiante chuva volte apenas em meados de maio.

Ana Oliveira

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Jardim onírico





















No mágico jardim clandestino
Escondidas pela nuvem cinza
Corpos sagrados dançam
O fogo mágico do destino
Olhadas pela doce mãe lua

Misturadas com a noite quente
Futuro infinito que ainda dorme
Face lânguida de sedução inocente
Entrelaçam pernas encantadas
Inatingível mulher de formas bravas

Produzem ecos seus pensamentos
Enquanto superam abalos e torturas
Evocam um amanhecer onírico
Ondulado em sua inexplicável leveza
De adorada e pagã profundeza

Ana Oliveira

Céu de dezembro




















Será que o céu de dezembro desentristece?
É sempre o último e por isso, um velho sábio
Palco das dores familiares, acertos, pesares 
Promete trazer as coisas perdidas, aquecidas 
Quem sabe até algo triste do azul melancolia 
Que também azuleja alguma tênue euforia

Será o delírio das chuvas de novembro?
Que arrasta os joelhos nas pedras da solidão 
Um jovem sem futuro, em sua magra finitude 
Que chora o dia e a noite em desencantos 
E canta para acalmar a fúria dos ventos 
Trazendo a nudez do trovão em prantos

Será que o céu infinito no fundo não é céu?
Teto que profana meses ilusoriamente criados, 
Feitos de fases que denunciam o passado 
De um anil que dedica-se a confundir o tempo
Talvez uma vastidão imponderável de sonhos 
Vivendo apenas de lua e vozes esquecidas 

Ana Oliveira

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Cor de sangue


Densa lágrima vermelha 
Suja o corpo de quem ama
Quando o coração chora
É o ventre quem derrama

Alma não manda nada
Vive com pouco vagando
Supõe enganar o tempo
Tolice de viver sangrando

Carne que vomita amor
Na calma que o dia obriga
Finge ver mais que uma cor
Na noite que a dor paralisa

Ana Oliveira

Livrarte





















Enquanto o amor fere e não consola,
A arte espera ansiosa pelo mergulho.
O que desenhar sobre um querer egoísta,
Hedonista, disfarçado de boas intenções?
Quem acha que ama, ama mesmo a si
Ama o que o outro lhe seduz, produz
Uma espécie de retrato de Dorian Gray,
Lindo, mas cheio de dolorosas feridas
A arte não te chicoteia, nem mutila
É a única maneira de mantermos as ilusões
Não te esquece nos feriados, nem nas dores
Não te rouba o viço e depois emudece
Se arrepender de um prazer é impossível
Basta não confundir com a eternidade da alma
Quem te ama quer você livre, mas perto, inteiro
Nada além disso, ousa-se chamar de amor
O amor disfarçado te enfraquece, trapaça
É um impulso reprimido que te envenena
A arte te faz brilhar e ser chama viva
É a poção mais sábia da redenção.

Ana Oliveira

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Noite no coração
















É noite no coração
Hora de contar as perdas
Enfileirar sofrimentos
E jogar na densa vastidão

O céu também chora
Ao ouvir o fraco lamento
Do que já nasce para morrer
Num amanhecer sangrento

A lua separa os mundos
Num intento desesperado
Deseja que o dia volte
Para o amor partir, acabado.

Ana Oliveira 

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Por um fio













Coração, manchado de sangue
Encarcerado num sonho vazio
Colorido, selvagem e perverso
A espera sempre por um fio

Solidão, névoa recém chegada
Nasce com a noite entorpecida
Mãe terna que embala as lágrimas
Dos loucos sorrisos de despedida

Escuridão, demais para aguentar
Quer mergulhar num riacho frio
Voltar ao mágico tempo sem dor
Exausta caminhada do desvario

Ana Oliveira

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Luz bailarina





















A taça manchada de euforia
No corpo que queima, marcado
Agora quebrada denuncia
O espelho do outro desejado

Guarda pra noite o cansaço
Embora nem mesmo um abraço
Rouba pra longe quando chega
Sonha de perto quando beija

O colo suado que afaga
Deixa que a escuridão decida
Se a vela bailarina apaga
Quando a lua chega, nascida

Ana Oliveira

Iniquidade














Quando se banaliza a dor e o amor
Parece que o mar fica sem sal
E o medo é um gosto normal

Quando se esquece de agradecer
Passa o tempo sem se ver e depois
Para voltar, já não há como arrumar

Quando se mente para crescer
Um dia vira o poder, nada que nasce
Manchado, foge de ser desonrado.

Ana Oliveira

Soneto das horas





















Já não há tanta pressa
Nem louca promessa
Que não seja urgente
Do que já nasce ardente

Se o relógio enlouquece
O amor é ainda pior prece
Então deixa que o querer
Decida com o vento correr

Tênue chega o encontro
Num segundo de confronto
Das agulhas que se colam

Cada ponteiro tem sua hora
Quieta e latente demora
Do preciso girar do tempo

Ana Oliveira

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Vida



















Num palco sem retorno
Figurante de sua própria vida
Sem palmas, nem vaias
Absolutamente equivocado
O delírio geme, arde e rasga

Que pedaço de alegria lhe pertence?
Quanto falta para pagar o preço?
Quem tapou o fim do túnel?
Tem lua no céu do inferno?
Tem amor no coração do acaso?

No fundo da gaveta emperrada
Que não arruma há anos
Procura receita para o impulso
Encontra um papel amarelado
Carcomido ensaio sobre a ilusão.

Ana Oliveira

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Nós

Não estou de aniversário
Mas preciso de presente
Do hoje, desse.

Não estou em viagem
Mas preciso de passagem

Não sou porta-bandeira
Mas preciso que perceba
Que carrego comigo
Uma vida inteira

Não estou de brincadeira
Mas ser o bobo da corte
Foi a maneira que encontrei

Um pouco de sorte
De mar e de norte
É onde estou e preciso

Abismo
Que sou quando pulo
No escuro que arrisco

Não estou pra reticências
Mas preciso de silêncio
Do agora, deste.

A&M

Lili


A espera sentada
Olhando a estrada
Sonhando com ela
Arranhando a janela

Mais cedo que chega
Melhor lhe receba
O afago na porta
Amor que se importa

O sentir verdadeiro
Demonstra no cheiro
No abraço comprido
Do beijo lambido

Ana Oliveira

Metade
















Metade do invento, cimento
Metade da areia, clareia
Metade da saudade, maldade
Metade da verdade, idade
Metade do mato, perdido
Metade do ato, vontade
Metade do bicho, feitiço
Metade da tarde, cidade
Metade da calma, comida
Metade do medo, caminho
Metade da dança, sozinho
Metade da alma, vendida
Metade da casa, partida
Metade do prato, consciência
Metade do jogo, urgência
Metade da cama, paciência
Metade do rosto, espelho
Metade da pressa, coelho
Metade da morte, façanha
Metade do corpo, entranha
Metade da mala, passagem
Metade da vida, viagem.

Ana Oliveira

Não ligue













Não espero, cansada
Nem mais nada tanto
Que tanto faz
Dar de cara ou a cara
A tapa, a outra
Face ao desencanto
De ser só mais uma
Mera indiferença
Que abale teu plano
Ou engano que atrapalha
A vida que para saída
Não há na bebida
Que embala e espalha
Na alma ferida

Não quero que ligue
Pra aquilo que sinto
No meio do peito
Teu leito perdido
Que finge querido
E sossega tua ânsia
Que esquece da culpa
Desculpa do ego
No apego do corpo
Silêncio preciso
Refém da vontade
Que finge saudade
Desejo que manda
Engôdo ou verdade
Que aguarda consolo.

Ana Oliveira

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Pra dizer adeus

Escrevo com sangue porque a tinta das lágrimas é transparente e já não suporto mais esconder essa dor. O vermelho da rosa que nunca foi dada nem cheirada é também a cor da carne dilacerada que vomita amor. Nada mais há de ser feito além de pregos nas portas e chaves engolidas. Calo a boca da ternura com a força de um sentir que quer ser cego e esquecido.

Já não enxergo as cores da vida, nem do verde que todos vêem. O que sobrou aqui volta aos seus medos ainda mais carregados de segredos. Que os dias voem apressados e as horas estejam sempre correndo contra o tempo. A fome da saudade precisa ser alimentada com novas risadas ou enterrada ao pé da desperdiçada espera. 

Quiçá pudesse esculpir um sol que tivesse a mesma força do abraço ausente. O momento não é de fuga, mas de partida. Sigo para viver na imensidão onde sorrisos mágicos conspirem a favor do medo da coragem. Maldita lua que bendiz a sorte, mas semeia morte com um sorriso amarelo. Sob seu altar regente e materno suplico pela trégua do eterno rosto que me escarnece ao devir em todos os outros.

Ana Oliveira

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Só em ser














Sabe-se lá quanta dor
Suporta o poeta louco
De num cárcere viver
Onde tantos são santos,
Bons e de perto pouco

Pudera ele entender
O mal que só faz crescer
Sem por, nem si e nem dó
Só enxerga o coração
Aprisionado dentro do nó

Quem dera um dia poder
E o mundo fosse também
Delirar seu poético viver
Jamais sol sozinho seria
No mar dessa afã euforia

Ana Oliveira


terça-feira, 6 de outubro de 2015

O querer














O poeta quer escrever,
O que os olhos choram
O que os dedos falam
O que o ouvido finge
O que a boca lambe
O que o coração dispara
O que a sorte ampara
O que o amor espalha
O que o medo encara
O que a dor disfarça
O que a perna bamba
O que o tempo urge
O que o vento surge
O que a mente ascende
O que a língua fere
O que o sol promete
O que a morte acalma
O que o peito cala
O que o corpo tara
O que a vida sara

Ana Oliveira

Amor não é só desejo

Considero um tanto leviano tratarmos o amor como um simples desejo. Se ponderarmos algumas colocações acerca, por exemplo, do Banquete de Platão, percebemos que se trata de uma tragicomédia passada durante uma festa onde a maioria está sob forte influência etílica e por isso, vulneráveis a todo tipo de sentimento e suas variadas interpretações. A tragicomédia é satírica por natureza, logo, esse gênero literário tende a ironizar o homem e seus sentimentos mais “nobres”. Não é a toa que a visão platônica do amor virou um clichê, sinônimo de “amor impossível”, ou seja, perfeito. O amor, como os próprios filósofos tratam, é uma questão metafísica e por isso, carrega toda ambivalência do universo, sendo assim, não podemos mensurá-lo através de pares de oposição, bem/mal, bom/ruim, sagrado/profano.

Não estou aqui desmerecendo a grandiosa obra de Platão, nem mesmo desdenhando do desejo. Ele é uma manifestação humana que pode ou não estar relacionada com o amor (a psicanálise explica). No poema “Desejos”, de Carlos Drummond de Andrade, é possível observar que o desejo nem sempre vem imbuído de erotismo:

“Desejo a você 
Fruto do mato 
Cheiro de jardim 
Namoro no portão 
Domingo sem chuva 
Segunda sem mau humor 
Sábado com seu amor”

Basta pensarmos no amor que sentimos por nossos pais, irmãos, amigos. Pergunto então, esse amor é outro amor? Ele é separado por categorias? Por função? Aliás, ao ler O Banquete tive uma ótima percepção sobre o amor, principalmente quando é comparado à verdade e à sabedoria. Acredito que amor, verdade e sabedoria estão acima do desejo. Esse desejo que nos desumaniza, essa analogia com brinquedo, aquisição de bens de consumo e material está muito mais voltada a uma banalização dos sentimentos da vida contemporânea, inspirada na lógica da substituição, do descarte. Assistimos o amor sendo vendido nas prateleiras da mídia irresponsável e perversa. 

E é dessa atrocidade que fujo quando me enterro no lirismo, porque acredito piamente no amor. Prefiro lê-lo pelas linhas de quem entende que a reciprocidade existe e se ela acontecer, o amor vai além do físico, posse ou egos inflados de desejo. Assim, prefiro confiar no que o brilhante poeta chileno, Pablo Neruda, escreveu: "Amo-te sem saber como, nem quando, nem onde, amo-te simplesmente sem problemas nem orgulho: amo-te assim porque não sei amar de outra maneira." 

Ana Oliveira

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

A outra face















A fotografia não queria, porém dizia
Sobre o primeiro olhar no intervalo
Entre o piscar que acende e esconde
Estampado de tristeza, talvez pavor
Ao mesmo tempo tênue ar de pureza
Um deslumbramento meio escondido
Por detrás das cortinas dos cabelos
Linhas livres como um véu que dança
Embaçado de poesia e esperança vã
As flores trazem a dualidade roxa
Da infância e frias noites cemiteriais
Cem mil faces, nomes e inspirações
Quase nenhuma de aspiração frívola
Às vezes uma, outras ou ninguém
Coisas escritas pelos cantos da boca
Asas que te querem cortar, inúteis
Mais coragem que o medo do medo
Verdades que escorrem pelo ralo
No desejo que anseia novos banhos.

Anna Poulain


terça-feira, 29 de setembro de 2015

Des-esperar





















Quando tudo que já se teve
Faz o hoje um devir fria neve
A dor que antes na alma rara
Agora negocia a alegria cara

O querer que teimava ano a ano
Ao passar tornou-se frio engano
E a vida que outrora feliz seguia
Zomba do rosto, cansada agonia

Como voltar por um caminho morto?
Já não há atalho mesmo que torto
O mundo prossegue pedra sorrindo
E a gente continua carne fingindo.

Ana Oliveira

Encanto















O corpo que ora profano, ora sagrado
Quer e se não, renega o desejo alheio
Flutua quando cabe em si, por si só
Beija a mão de deuses desgarrados
Lambe a ferida de monstros sagrados

O corpo que anda no pó da contramão
Queimado na fogueira das palavras
Banido pelos olhares e falácias afãs
Faz do caos aquilo que lhe convém
Enfeitiça o mal e seduz seu bem

O corpo que nem perfeito, nem pouco
Dança nu em telhados e fases de lua
Renega o vil poder da tortura santa
Abusa da magia limpa e invisível
Ama-se sobre o altar do impossível

Anna Poulain

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Tuas cores
























da janela espero o dia amanhecer
o sol já vai chegar
amarelo como o dia deve
ter você vai despertar...

arco-íris, sete cores em teu ser
pra um dia eu descobrir
qual a cor e o segredo pra fazer
os teus olhos sorrir

tons em verde,
vejo flores em você queria te dizer
teu perfume, um jardim dentro de ti
vem me entorpecer

céu azul, vejo raios furta cor
o sol já vai se pôr
acontece quase sempre sem querer
o vermelho do amor.

Anna Poulain

Vuelo















Cuando el corazón sube
Separa los pies del suelo
Encuentra un lugar mejor
Para vivir en otro sentir

Cuando se olvida el controle
A nadie pide perdón
Concede a pasado pasar
Repara que el mundo para

Cuando abre la mano egoísta
Ni mismo se pierde de vista
Percibe que así sin dolor
Vivienda le hace el amor

Mar Rubina

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Languidez



Através do reflexo do vidro da janela vi você passar, em uma tarde qualquer. Coração feito um trem desgovernado, o suor escorrendo pelos vincos da pele, pupilas ansiosas e ao mesmo tempo disfarçadas, mãos geladas em pleno verão tropical. Depois de muitos dias na árdua tarefa de esquecer o desenho do teu rosto, eis que tudo está arruinado. E nesses poucos minutos em que caminha de uma esquina a outra, pela roupa que usa, o jeito que anda e a direção para onde olha, leio tua alma e as emoções que naquele instante, em ti afloram. Porque toda vez que quase te esqueço algo quase me traz tua vida de volta? Nem mesmo para as perguntas gostaria de quimeras. Preciso que abra mão desse caminho, que esqueça meus cheiros e músicas e atravesse para o lado certo da rua que escolheu andar. É inútil matar um amor que já nasceu em estado terminal, sem espaço, nem tempo. Não almeje procurar quem já não suporta mais arder.

Ana Oliveira

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

A última cinza

















Você salivou tanto
Que teus ouvidos entupiram de egoísmo
A tua insistência foi tamanha
Que não houve resistência
Contra a força do laço, nem do abraço

Tanto fez que feriu a espera úmida
Da lágrima que virou gosto e cor de sangue
Agora pousa uma pedra de asas negras
Em cima do coração que agoniza

Sobre minha sina torta e morta
Revoa a tua vida mais que perfeita
Assim, o esquecer suplica à lembrança
Deixar quem nunca lhe dedicou

Tento matar a golpes precisos
O tempo que foi perdido
Acabou o sol
Acabou o cigarro
Acabou no crematório

No final, tudo acaba em cinza.

Ana Oliveira

terça-feira, 8 de setembro de 2015

Contemplação



















Mergulha
Na beleza de uma vida
Que não quer ser rasa
No mistério dos elementos

Transborda
De riqueza interior
Que renega o material
Ínfimo diante da alma

Transcende
Além do ouro e do linho
Em amor corpo sem ninho
O superficial nada mais é

Converge
Em energia que conecta
No mundano que unge
O virtuoso que transgride

Anna Poulain

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Carol Girassol















O Amor nunca desiste
Dorme enquanto a flor nasce

O Amor jamais descansa
Inventa mundos enquanto dança

O Amor jamais enfraquece
Sonha enquanto agradece

O Amor nunca fraqueja
Acorda e veste-se de girassol!


Da preta pra nega branca

Pajarar



Tengo pasado el pasado para tras 
En las noches que contigo paso 
A cada paso siento el presente 
Pasando en la vena del vientre 
Que palpita como un pájaro revuelto

Mar Rubina

Resignação

                                                                                   
                                                                                    












Medos são coragens traumatizadas 
Bondades negadas 
São os gritos que querem ser risadas 
Dores antecipadas 
Arrependimentos que não nasceram
Medos são amores abortados
Livros fechados 
São corações trancados sem chave 
Ida sem nenhuma volta 
A porta que ninguém abriu
Medos são as fomes resistidas 
Saudades vencidas 
São beijos e abraços negados 
Discos riscados 
Vontades que morreram esquecidas

Ana Oliveira

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Paradoxo





















Nascem excêntricos
Hábeis em sua dualidade 
Relatam cartas e magias 
Mas não querem intuir 
Dois pesos, duas medidas 
Quando pensam no amor 
São impacientes na dor 
E corrosivos no humor 
Desafiam-se e festejam 
Ardilosos com os tolos 
Atenciosos com os sábios 
Seus camaleões coloridos 
Sabem do céu e da terra 
Das conversas consigo 
Viajam e voltam de mundos
Sem de dentro de si sair

Ana Oliveira

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Baldaquim





















Nasceu dentro da lua
No quarto do coração
Para as confissões
Recorre com freqüência
Ao diário íntimo
Alma delicada e taciturna
Não digere facilmente
Alimentos emocionais
A inconstância ali ausente
Seu lugar são os tons
Da madrugada tenra
Esconde-se em casulos
Carapaças protegidas
Ainda que por dentro
Sentida carne macia.

Ana Oliveira

Décimo primeiro





















Nasceu em Saturno
Mas ali não queria viver
Tantos mundos na cabeça
Sem habitar nenhum
Iniciou sua incursão
Ao planeta que não era seu
Tampouco de ninguém
Alimentou seus signos
Renegou seus preconceitos
E com quase nenhum plano
Rumou à curvatura da terra
Precisava compreender
Porque seu pedaço de céu
Parecia sempre tão pequeno.

Ana Oliveira

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Prenunciação





Vazio morava com Solidão. Sempre aflito, isolado. Fazia de tudo para encher-se. Viajava, comprava, consumia doces que se transformavam em devaneios amargos, amava tolas, vagas e ocas. Tudo inutilmente. Nutria uma paixão secreta por Solidão, platônica. Esgueirava-se pela casa espionando nos olhos vazados dos quadros, fechaduras e buracos na parede, inventava subterfúgios para chamar a atenção da amada. Nutria por ela um desejo doentio, quase mórbido, quase sádico, quase amor. Um dia decidiu declarar sua ânsia. Há muito viviam sob o mesmo teto, porém, não compartilhavam das mesmas angústias, tampouco das mesmas aflições. Solidão era forte, segura, resolvida. Vazio era indeciso, amargurado, distraído. Solidão ouviu a confissão quieta, sem proferir opinião alguma, esboçou apenas um sorriso amarelo e pediu para que Vazio fosse embora. Ele ficou ali, dentro do seu vão, sem órbita, não sabia e nem conseguia pensar em mais nada a não ser em imergir em si mesmo. E assim o fez, penetrou no precipício do vácuo e se foi. Solidão cravou uma placa no jardim: Há vagas. E muito em breve ouviram-se sonoras palmas. Era a liberdade pedindo se podia ali viver. Solidão mais que depressa abriu as portas e janelas de seu lar e de seu coração. Liberdade fez-lhe apenas um pedido: que Solidão deixasse que seu irmão de quando em quando a visitasse. A anfitriã ponderou, mas antes quis saber o nome do visitante. E tão breve como o voejar da borboleta, rendeu-se.

Afinal, não se pode negar nada ao Prazer. 


Ana Oliveira

Recôndito



Segredos são vontades guardadas no fundo da gaveta do desejo. Sentimentos tímidos que preferem o anonimato, o estranhamento. O segredo do desejo é a espera. A secreta tardança que gira o mundo aos poucos, acariciando suas entranhas e embalando seus caprichos na inútil tentativa de dissuadi-lo do objeto escondido, desejado. Mas a fome do querer é impetuosa. Por isso, o segredo da espera é a distração. O delicioso devaneio da irreflexão, do alheamento voluntário que nos permite ludibriar até mesmo a tentação das confissões. E é no cochilo que o segredo devém mistério. Mistério é a magia do segredo. Andam em todos os cantos, debaixo das pedras, das camas, impressos nos olhos que riem do que ninguém supõe. Ocultos nas folhas brancas que denunciam os escritos arrancados. Manchas que querem ser adivinhadas através de suas cores e cheiros. São flores deixadas em caixas postais sem alcunha nem palpite. Pernas que conversam sob a mesa, bilhetes deixados em bolsos, abraços que procuram motivos para serem demorados. Mistérios são enigmas que querem ser desvendados, são as peripécias do segredo.

Ana Oliveira

terça-feira, 11 de agosto de 2015

Tão





















Já não tenho tanta calma
Com estas almas que sugam
Pessoas que de tão pesadas
Me deixam assim tão cansada

Já não quero tanta gente
Com promessas tão vazias
Egos que de tão gigantes
Tornam a vida angustiante

Já não aguento essa tortura
De ser tão acaso do nada
Quero a escolha e a paz da ternura

Já não suporto ser tão torta
Tão bengala da vaidade alheia
Que o vento leve para longe esta porta.

Ana Oliveira

Usted para mí





















Usted y esa alma clara
Que no hay medida
Para emocionarme

Usted y esa sonrisa suelta
Que no mide esfuerzos
Para conquistarme

Yo quiero tenerte acerca
Ya no me despierto
Sin desearte

La vida con usted impera
Y la añoranza espera
Para hechizarte

Usted y ese canto libre
Que no hay límites
Para relajarme

Usted y estos ojos fondos
Qué vienen en un segundo
Para observarme

Yo quiero con usted un fragmento
Solo para tener tiempo
Para aproximarme

Los días están contando las horas
Nuestro abrazo aflora
Para el amor amarte

Carmen Rojo


Ciganear

Certa vida quando lida
Se revela nau sofrida
Nem disfarce, alegoria
Devolve à alma a alegria

Uma mão quando estendida
Tem a hora interrompida
Para o tempo num suspiro
Sofre de futuro o respiro

Vivos olhos que esperam
Ânsias, medos se revelam
Ao que o fado lhe decifra
Menos tempo lhe acredita

Fé que foge quando olhada
Não espera quase nada
Nasce para outro tempo
Vai embora como o vento

Ana Oliveira

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

De perto














De perto nada é certo
Pois o porto
De perto é outro
Porém de perto
É certa a pele
O tronco
O ponto
O gelo
O fogo
De perto é beijo
É a natureza das coisas
Das costas
Das pernas
De perto tem o som da voz
O mundo é descoberto
E a alma desperta
De perto tem o sonho ao lado
Tem a vela acesa
A mesa posta
A noiva morta
A carne
A Carmem
De perto nada se espera
Tudo se cheira
Se come
Se fala
Se cala
De perto tem o ouvido
Que treina pra receber
O canto no canto
Da boca
Da roupa
Do quarto
De perto tem o moço
Que acalma e aguça
Que canta e encanta
A moça que sonha
Que espera
Que aperta
Tem o sorriso
Que ameaça um beijo
De perto é a vontade
Da saudade

M&A

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Três dias



Três dias com você não seriam bons. Seriam três dias em que me acostumaria com teu corpo quente, tão incomum em minhas madrugadas inóspitas. Talvez fossem três dias onde eu esqueceria de apagar as velas ou a chama do fogão. Três dias. Três longos dias que seriam como três ligeiras horas. Certamente setenta e duas horas de batimentos cardíacos acelerados, não da saudade cotidiana, mas da espera que acontece, do desejo que não tarda. Seria pelo menos três cafés acompanhados de olhos que não querem fechar para não perder o outro de vista. Três pães temperados com o gosto doce da noite que ainda não dormiu. 

Três dias com você resultariam em três noites. Três noites em que esqueceria a fome que se come e cessa. Três madrugadas em que a sede seria apenas de mais um beijo molhado de vinho e que este, seria apenas aquele que precederia o próximo. Três dias com você significaria os únicos três dias sem saudade desde que te conheci. Minto. Seriam apenas três fins de tarde em que não andaria calmamente, correria... 

É... Três dias com você não seriam bons. Bom é uma palavra calma, delicada, útil. Mas três dias inteiros com você não seriam calmos, delicados, tampouco úteis. Essas quase cem horas em que minha alma não desconectaria da tua seriam rasgadas, suadas, abusadas e inúteis. Inúteis para o resto do mundo que lá fora continuaria a correr. Três dias com você seriam sem hora, nem ponteiro. Sem amanhecer, nem anoitecer. Três dias ao seu lado seriam três marcas no espaço onde o tempo seria medido apenas pelo intervalo do nosso amor.


Ana Oliveira

O não do amor


Amor não tem que preocupar, tem que ocupar. Ocupar o armário com as roupas que se abraçam no silêncio da noite. Ocupar o quarto com os cheiros que se confundem numa dança frenética, ora odor, ora perfume. A mesa com os vinhos das terças que são melhores que sábados. É encher a geladeira com o prato predileto que ocupa os intervalos entre filmes e beijos. É entrelaçar fortemente as pernas para ocupar todos os espaços entre as peles. Amor é ocupar o tempo para que ele se atrapalhe e esqueça de passar. É um ocupar-se de si mesmo para estar bem para e com o outro.  Amor é deixar a vida com vontade de se ocupar da outra que também é sua, que também é dela.

Amor não tem que prever, tem que ver. Ver que aquele rosto sorrindo esconde um cinza que quer ser aquarela, que deseja ser pincelado mais de saliva, menos de lágrima. Perceber que aquele “não” é apenas a potência de um sim que quer ser adivinhado, timidamente descoberto. Amor é também não ver. É não precisar ver aquilo que só pede para ser intuído, que só sonha em ser ouvido. É enxergar que aquela bagunça da casa, talvez seja a confusão de uma alma que está em reforma ou precisando de abraço. É não esperar que o outro apareça, procure, convide, mas o sossego da hora que só tarda, não demora. Amor não é antever o fracasso. É lamber a ferida com as palavras do alento que enfim repousa no colo da cumplicidade.   

Amor não tem que preparar, tem que parar. Parar de apontar no outro aquilo que o próprio espelho denuncia. Estancar o sangue da veia que desconfia do que mora apenas na mente de quem aprisiona o afeto.  Ele necessita parar de querer amar sozinho. Entender que solidão boa é a da escolha, não aquela em que dois corações batem em descompasso, em cada canto, em cada quarto. O amor tem que saber parar o choro sem sufocar as lágrimas que também lavam a dor. Não pode impedir a liberdade de voejar o seu livre arbítrio e de poder voltar para a gaiola do colo sempre vasto e a espera.  O amor precisa interromper a saudade quando a vontade já não responde aos estímulos da calma, sofre de urgência. 

Ana Oliveira

Cura

Não pensar é uma arte.  A arte de esquecer só um naco, um lapso, um pouco. Não pensar é um subterfúgio que devolve o sorriso, ainda que breve. E  nesse intervalo entre o pensar e o “não” é que a vida acontece. Não pensar é o amanhecer que vai acordando com a fronha mais seca das lágrimas da saudade. São os olhos que deixam de enxergar em preto e branco e a cada piscada pintam uma tela de possibilidades. Esquecer não é não pensar. Esquecer implica em enterrar o pensamento e torcer para que a memória involuntária não nos presenteie com o tempo perdido num domingo de manhã. Não pensar é a esperança do esquecer. É um espaço onde a angústia dá trégua para o desejo descansar. Um lugar onde o sabor e os aromas da lembrança permitem que se prove de outro tempero, ainda que azedo, ainda que cure. 

Ana Oliveira

quarta-feira, 22 de julho de 2015

Epigrama

Tumbas que já foram vidas
Restos que já dançaram tango
Comeram frutas da estação
Mulheres que já existiram grávidas

Mausoléus que já foram deuses
Vozes que ecoaram em púlpitos
Obrigaram ditaduras
Homens que já seguiram vieses

Sepulcros que já foram fantasmas
Segredos que nunca amaram
Cortaram pulsos, línguas
Corpos que já foram almas

Ana Oliveira

Maio















Tenho apenas o desejo dos teus olhos
Palavras que por pouco tempo minhas
O coração sujo de alegrias lembradas
Uma noite ou outra manhã qualquer

Tenho sufocado as paredes que se calam
Certo refúgio num repouso efêmero
Pois a vida teima em prosseguir
Embora o menino esteja guardado no amor

Ana Oliveira

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Carta ao amor

Meu amor,


Não estava te esperando. Sentia que tu virias, mas nem quando, nem onde. Quando chegastes, fugi. Corri desesperadamente de ti. Fui a bares, bebi vinhos, fiz poemas. Tudo na tentativa frustrada e inútil rumo ao caminho contrário ao teu. Mas quanto mais escapava, melhor te via. Sei que contigo não fora diferente. O destino nos empurrava contra essa corrente de fuga. Leis da física, química e todos os elementos combinados produziam uma poderosa alquimia, fazendo tudo conspirar a nosso favor. A nosso favor ou contra? Ainda não sabemos. Arrisco dizer que é tarde demais para pensar. Eu só quero que entendas que não estava te esperando porque já não esperava nada. E ainda não espero. Porque do amor a gente não exige, não planeja, nem negocia. O amor é via de mão dupla, um sentir sem atropelos, sem súplicas ou jogos de força. O amor só é se quiser ser.

Ana Oliveira

segunda-feira, 29 de junho de 2015

Nu





















A nudez faz-se necessária.
Já é hora de sermos sós
Só alma
Só banho de lua
Cicatrizes, tatuagens
Só forma,
Conteúdo
Sem preço, só valor
A nudez é urgente!
Só o prazer
A consciência refletida
Nossos odores, pêlos, marcas
Quanto saberíamos desnudos?
Só ser sem contas
Poros arrepiados
Denunciando os sentidos
Só coragem
Sol e carne

Ana Oliveira