O poema nasceu do entalhe
Da imagem roubou o detalhe
E chorou no devir dos versos
Que imitam bons e perversos
Em cólera contou a poesia
Que do livro, partiria
E rumou para a estação
Travestido de coração
A metáfora no caminho encontrou
De uma vida tal qual a palma
E sem pedir licença adentrou
Na alegoria vestida de alma
Ana Oliveira
quinta-feira, 10 de dezembro de 2015
O humor da cidade
A fragrância exala
Suas madeiras desbotadas
Levada pelas ventosidades
De saudades anacrônicas
Numa existência infernal
Das madrugadas insones
Calmamente mastigadas
Por um silêncio profético
Suas madeiras desbotadas
Levada pelas ventosidades
De saudades anacrônicas
Numa existência infernal
Das madrugadas insones
Calmamente mastigadas
Por um silêncio profético
A meia-luz interior das casas
Liberta a clandestinidade
Consagrada do culto ao prazer
Dos dias que ninguém jamais
Poderá deter ou adulterar
Desse cimento implacável
De uma cidade que transcende
Á carne, indiferente ao tempo
Liberta a clandestinidade
Consagrada do culto ao prazer
Dos dias que ninguém jamais
Poderá deter ou adulterar
Desse cimento implacável
De uma cidade que transcende
Á carne, indiferente ao tempo
Carregando fardos de agonia
Enquanto outros flutuam
Em venturas de amores lascivos
Este morredouro de esperanças
Ardente por cheiros e rostos
Carrega a multidão impetuosa
Pelas ruas que estilhaçam vidas
E ventos que embalam sonhos
Em venturas de amores lascivos
Este morredouro de esperanças
Ardente por cheiros e rostos
Carrega a multidão impetuosa
Pelas ruas que estilhaçam vidas
E ventos que embalam sonhos
Ana Oliveira
terça-feira, 8 de dezembro de 2015
O tempo
Se arrasta feito trem carregado
Quando o dia é pesado
Quando a lida não para
Quando o choro não sara
Mas aí corre, desliza, sublima
As horas que não vemos
Os instantes que queremos
Os abraços que eternizamos
O tempo? É o diabo
Engana os amantes
Entendia trabalhadores
Zomba e chafurda
Da cara dos que pedem:
Só mais um pouco!
De alma
De calma
De ajuda
De vida.
Ana Oliveira
sexta-feira, 4 de dezembro de 2015
O balé das horas
Aprisionada e invisível como um fantasma
Sozinho em uma velha casa abandonada
Oro pelos medos dos meus pensamentos
Tenho segredos ternos e arruinados
Verdades perversas da estranheza da alma
A vida é o barato vazio da irrealidade
Uma noite profética que perturba a calma
É como beijar o etéreo no inferno
Balbuciando palavras sem sentido
É abrir as cortinas do delírio dos olhos
Uma noite profética que perturba a calma
É como beijar o etéreo no inferno
Balbuciando palavras sem sentido
É abrir as cortinas do delírio dos olhos
Sorrindo a dor com os lábios fechados
Meu corpo ausente de um ontem maculado
Roga às suas mães índias da América Latina
Que limpem seu rosto queimado e mutilado
Pelo balé das impiedosas velas dançarinas
Ana Oliveira
Meu corpo ausente de um ontem maculado
Roga às suas mães índias da América Latina
Que limpem seu rosto queimado e mutilado
Pelo balé das impiedosas velas dançarinas
Ana Oliveira
sexta-feira, 27 de novembro de 2015
Metamorfosis
Maldita sea la poesía
Que nos hace metamorfosear
Los vómitos en cosas bellas
El poeta pega las tristezas
Lava bien, rutina, amasa
Mistura con ingredientes dulces
E vira verso, después,
Distribuye en pociones generosas
O homeopáticas por el universo
Va a depender de la dosis del alma
Que necesita cada corazón
Cuando el dolor quiere ser amor,
La pluma sienta e escribe.
Ana Oliveira
Embriaguez
E continuo morta de sede
Lambo tuas fotos
Que têm cheiro e textura
No mesmo momento em que
Me embriago vendo teu vulto
A dançar pelo quarto
O velho espelho que
Já refletiu nosso desejo
Agora revela com pesar
A sombra opaca do vazio
O coração da minha boca
Chora enquanto mastiga
A própria carne que sorri
Ando comendo os olhos
Dos sonhos proibidos
Que guardam teus regalos
No baú das horas perdidas
Me arrasto pelos porões da dor
Procurando os gritos de êxtase
E só encontro as memórias
Amareladas do nosso ontem.
Ana Oliveira
Passarinho
De tanto escrever você
Não descanso meus olhos
Porque pressinto
Que teu voo está próximo
Sei que, sem teu abraço
Sou um vento inabitado
Uma corrente que teima em vazar
Pelos vãos dos teus dedos
Para morar nas confusas
Linhas da tua mão
Minha alma anda furiosa
Deseja ser as páginas acariciadas
Do teu livro de cabeceira
Pisa em teu peito perfumado
Como que em folhas de outono
Cravando garras e asas
Na fantasia de mais algum instante
Do teu beijo mordido, cuspido
Ando cega e tonta pelos versos
Sem saber se o nosso tempo
Há de ser quando ou onde
Escalo teu corpo com febre
Espalhando pedaços de saudade
E um rasto de amor imortal.
Ana Oliveira
quarta-feira, 25 de novembro de 2015
Vertente
Há dias em que deságuo. Ninguém vê ou supõe porque o estado líquido da gente é como uma cascata escondida no meio do mato selvagem. Essa que passeia silenciosa entre as pedras que abraçam e consolam sem saber por quê. São tão longos esses dias de chuva. Inundam o velho e cansado peito de um jeito, que nem mesmo o vento seco de verão é capaz de levar os fluídos para onde tudo é doce e permitido. Há poucos meses fiz um acordo com o universo: Que cada um de nós encoraje seus vícios e propósitos, desde que a angustiante chuva volte apenas em meados de maio.
Ana Oliveira
terça-feira, 24 de novembro de 2015
Jardim onírico
Escondidas pela nuvem cinza
Corpos sagrados dançam
O fogo mágico do destino
Olhadas pela doce mãe lua
Misturadas com a noite quente
Futuro infinito que ainda dorme
Face lânguida de sedução inocente
Entrelaçam pernas encantadas
Inatingível mulher de formas bravas
Futuro infinito que ainda dorme
Face lânguida de sedução inocente
Entrelaçam pernas encantadas
Inatingível mulher de formas bravas
Produzem ecos seus pensamentos
Enquanto superam abalos e torturas
Evocam um amanhecer onírico
Ondulado em sua inexplicável leveza
De adorada e pagã profundeza
Enquanto superam abalos e torturas
Evocam um amanhecer onírico
Ondulado em sua inexplicável leveza
De adorada e pagã profundeza
Ana Oliveira
Céu de dezembro
É sempre o último e por isso, um velho sábio
Palco das dores familiares, acertos, pesares
Promete trazer as coisas perdidas, aquecidas
Quem sabe até algo triste do azul melancolia
Que também azuleja alguma tênue euforia
Será o delírio das chuvas de novembro?
Que arrasta os joelhos nas pedras da solidão
Um jovem sem futuro, em sua magra finitude
Que chora o dia e a noite em desencantos
E canta para acalmar a fúria dos ventos
Trazendo a nudez do trovão em prantos
Será que o céu infinito no fundo não é céu?
Teto que profana meses ilusoriamente criados,
Feitos de fases que denunciam o passado
De um anil que dedica-se a confundir o tempo
Talvez uma vastidão imponderável de sonhos
Vivendo apenas de lua e vozes esquecidas
Ana Oliveira
segunda-feira, 23 de novembro de 2015
Cor de sangue
Densa lágrima vermelha
Suja o corpo de quem ama Quando o coração chora
É o ventre quem derrama
Alma não manda nada
Vive com pouco vagando
Supõe enganar o tempo
Tolice de viver sangrando
Carne que vomita amor
Na calma que o dia obriga
Finge ver mais que uma cor
Na noite que a dor paralisa
Ana Oliveira
Livrarte
Enquanto o amor fere e não consola,
A arte espera ansiosa pelo mergulho.
O que desenhar sobre um querer egoísta,
Hedonista, disfarçado de boas intenções?
Quem acha que ama, ama mesmo a si
Ama o que o outro lhe seduz, produz
Uma espécie de retrato de Dorian Gray,
Lindo, mas cheio de dolorosas feridas
A arte não te chicoteia, nem mutila
É a única maneira de mantermos as ilusões
Não te esquece nos feriados, nem nas dores
Não te rouba o viço e depois emudece
Se arrepender de um prazer é impossível
Basta não confundir com a eternidade da alma
Quem te ama quer você livre, mas perto, inteiro
Nada além disso, ousa-se chamar de amor
O amor disfarçado te enfraquece, trapaça
É um impulso reprimido que te envenena
A arte te faz brilhar e ser chama viva
É a poção mais sábia da redenção.
A arte espera ansiosa pelo mergulho.
O que desenhar sobre um querer egoísta,
Hedonista, disfarçado de boas intenções?
Quem acha que ama, ama mesmo a si
Ama o que o outro lhe seduz, produz
Uma espécie de retrato de Dorian Gray,
Lindo, mas cheio de dolorosas feridas
A arte não te chicoteia, nem mutila
É a única maneira de mantermos as ilusões
Não te esquece nos feriados, nem nas dores
Não te rouba o viço e depois emudece
Se arrepender de um prazer é impossível
Basta não confundir com a eternidade da alma
Quem te ama quer você livre, mas perto, inteiro
Nada além disso, ousa-se chamar de amor
O amor disfarçado te enfraquece, trapaça
É um impulso reprimido que te envenena
A arte te faz brilhar e ser chama viva
É a poção mais sábia da redenção.
Ana Oliveira
quarta-feira, 18 de novembro de 2015
Noite no coração
É noite no coração
Hora de contar as perdas
Enfileirar sofrimentos
E jogar na densa vastidão
O céu também chora
Ao ouvir o fraco lamento
Do que já nasce para morrer
Num amanhecer sangrento
Ao ouvir o fraco lamento
Do que já nasce para morrer
Num amanhecer sangrento
A lua separa os mundos
Num intento desesperado
Deseja que o dia volte
Para o amor partir, acabado.
Num intento desesperado
Deseja que o dia volte
Para o amor partir, acabado.
Ana Oliveira
terça-feira, 17 de novembro de 2015
Por um fio
Encarcerado num sonho vazio
Colorido, selvagem e perverso
A espera sempre por um fio
Solidão, névoa recém chegada
Nasce com a noite entorpecida
Mãe terna que embala as lágrimas
Dos loucos sorrisos de despedida
Nasce com a noite entorpecida
Mãe terna que embala as lágrimas
Dos loucos sorrisos de despedida
Escuridão, demais para aguentar
Quer mergulhar num riacho frio
Voltar ao mágico tempo sem dor
Exausta caminhada do desvario
Quer mergulhar num riacho frio
Voltar ao mágico tempo sem dor
Exausta caminhada do desvario
Ana Oliveira
segunda-feira, 9 de novembro de 2015
Luz bailarina
A taça manchada de euforia
No corpo que queima, marcado
Agora quebrada denuncia
O espelho do outro desejado
No corpo que queima, marcado
Agora quebrada denuncia
O espelho do outro desejado
Guarda pra noite o cansaço
Embora nem mesmo um abraço
Rouba pra longe quando chega
Sonha de perto quando beija
Embora nem mesmo um abraço
Rouba pra longe quando chega
Sonha de perto quando beija
O colo suado que afaga
Deixa que a escuridão decida
Se a vela bailarina apaga
Quando a lua chega, nascida
Deixa que a escuridão decida
Se a vela bailarina apaga
Quando a lua chega, nascida
Ana Oliveira
Iniquidade
Quando se banaliza a dor e o amor
Parece que o mar fica sem sal
E o medo é um gosto normal
Parece que o mar fica sem sal
E o medo é um gosto normal
Quando se esquece de agradecer
Passa o tempo sem se ver e depois
Para voltar, já não há como arrumar
Para voltar, já não há como arrumar
Quando se mente para crescer
Um dia vira o poder, nada que nasce
Manchado, foge de ser desonrado.
Um dia vira o poder, nada que nasce
Manchado, foge de ser desonrado.
Ana Oliveira
Soneto das horas
Nem louca promessa
Que não seja urgente
Do que já nasce ardente
Se o relógio enlouquece
O amor é ainda pior prece
Então deixa que o querer
Decida com o vento correr
O amor é ainda pior prece
Então deixa que o querer
Decida com o vento correr
Tênue chega o encontro
Num segundo de confronto
Das agulhas que se colam
Num segundo de confronto
Das agulhas que se colam
Cada ponteiro tem sua hora
Quieta e latente demora
Do preciso girar do tempo
Quieta e latente demora
Do preciso girar do tempo
Ana Oliveira
quarta-feira, 4 de novembro de 2015
Vida
Figurante de sua própria vida
Sem palmas, nem vaias
Absolutamente equivocado
O delírio geme, arde e rasga
Que pedaço de alegria lhe pertence?
Quanto falta para pagar o preço?
Quem tapou o fim do túnel?
Tem lua no céu do inferno?
Tem amor no coração do acaso?
No fundo da gaveta emperrada
Que não arruma há anos
Procura receita para o impulso
Encontra um papel amarelado
Carcomido ensaio sobre a ilusão.
Ana Oliveira
terça-feira, 3 de novembro de 2015
Nós
Não estou de aniversário
Mas preciso de presente
Do hoje, desse.
Não estou em viagem
Mas preciso de passagem
Não sou porta-bandeira
Mas preciso que perceba
Que carrego comigo
Uma vida inteira
Não estou de brincadeira
Mas ser o bobo da corte
Foi a maneira que encontrei
Um pouco de sorte
De mar e de norte
É onde estou e preciso
Abismo
Que sou quando pulo
No escuro que arrisco
Não estou pra reticências
Mas preciso de silêncio
Do agora, deste.
Mas preciso de presente
Do hoje, desse.
Não estou em viagem
Mas preciso de passagem
Não sou porta-bandeira
Mas preciso que perceba
Que carrego comigo
Uma vida inteira
Não estou de brincadeira
Mas ser o bobo da corte
Foi a maneira que encontrei
Um pouco de sorte
De mar e de norte
É onde estou e preciso
Abismo
Que sou quando pulo
No escuro que arrisco
Não estou pra reticências
Mas preciso de silêncio
Do agora, deste.
A&M
Lili
Olhando a estrada
Sonhando com ela
Arranhando a janela
Mais cedo que chega
Melhor lhe receba
O afago na porta
Amor que se importa
O sentir verdadeiro
Demonstra no cheiro
No abraço comprido
Do beijo lambido
Ana Oliveira
Metade
Metade da areia, clareia
Metade da saudade, maldade
Metade da verdade, idade
Metade do mato, perdido
Metade do ato, vontade
Metade do bicho, feitiço
Metade da tarde, cidade
Metade da calma, comida
Metade do medo, caminho
Metade da dança, sozinho
Metade da alma, vendida
Metade da casa, partida
Metade do prato, consciência
Metade do jogo, urgência
Metade da cama, paciência
Metade do rosto, espelho
Metade da pressa, coelho
Metade da morte, façanha
Metade do corpo, entranha
Metade da mala, passagem
Metade da vida, viagem.
Ana Oliveira
Não ligue
Nem mais nada tanto
Que tanto faz
Dar de cara ou a cara
A tapa, a outra
Face ao desencanto
De ser só mais uma
Mera indiferença
Que abale teu plano
Ou engano que atrapalha
A vida que para saída
Não há na bebida
Que embala e espalha
Na alma ferida
Não quero que ligue
Pra aquilo que sinto
No meio do peito
Teu leito perdido
Que finge querido
E sossega tua ânsia
Que esquece da culpa
Desculpa do ego
No apego do corpo
Silêncio preciso
Refém da vontade
Que finge saudade
Desejo que manda
Engôdo ou verdade
Que aguarda consolo.
Ana Oliveira
terça-feira, 13 de outubro de 2015
Pra dizer adeus
Escrevo com sangue porque a tinta das lágrimas é transparente e já não suporto mais esconder essa dor. O vermelho da rosa que nunca foi dada nem cheirada é também a cor da carne dilacerada que vomita amor. Nada mais há de ser feito além de pregos nas portas e chaves engolidas. Calo a boca da ternura com a força de um sentir que quer ser cego e esquecido.
Já não enxergo as cores da vida, nem do verde que todos vêem. O que sobrou aqui volta aos seus medos ainda mais carregados de segredos. Que os dias voem apressados e as horas estejam sempre correndo contra o tempo. A fome da saudade precisa ser alimentada com novas risadas ou enterrada ao pé da desperdiçada espera.
Quiçá pudesse esculpir um sol que tivesse a mesma força do abraço ausente. O momento não é de fuga, mas de partida. Sigo para viver na imensidão onde sorrisos mágicos conspirem a favor do medo da coragem. Maldita lua que bendiz a sorte, mas semeia morte com um sorriso amarelo. Sob seu altar regente e materno suplico pela trégua do eterno rosto que me escarnece ao devir em todos os outros.
Ana Oliveira
quinta-feira, 8 de outubro de 2015
Só em ser
Suporta o poeta louco
De num cárcere viver
Onde tantos são santos,
Bons e de perto pouco
Pudera ele entender
O mal que só faz crescer
Sem por, nem si e nem dó
Só enxerga o coração
Aprisionado dentro do nó
Quem dera um dia poder
E o mundo fosse também
Delirar seu poético viver
Jamais sol sozinho seria
No mar dessa afã euforia
Ana Oliveira
terça-feira, 6 de outubro de 2015
O querer
O que os olhos choram
O que os dedos falam
O que o ouvido finge
O que a boca lambe
O que o coração dispara
O que a sorte ampara
O que o amor espalha
O que o medo encara
O que a dor disfarça
O que a perna bamba
O que o tempo urge
O que o vento surge
O que a mente ascende
O que a língua fere
O que o sol promete
O que a morte acalma
O que o peito cala
O que o corpo tara
O que a vida sara
Ana Oliveira
Amor não é só desejo
Considero um tanto leviano tratarmos o amor como um simples desejo. Se ponderarmos algumas colocações acerca, por exemplo, do Banquete de Platão, percebemos que se trata de uma tragicomédia passada durante uma festa onde a maioria está sob forte influência etílica e por isso, vulneráveis a todo tipo de sentimento e suas variadas interpretações. A tragicomédia é satírica por natureza, logo, esse gênero literário tende a ironizar o homem e seus sentimentos mais “nobres”. Não é a toa que a visão platônica do amor virou um clichê, sinônimo de “amor impossível”, ou seja, perfeito. O amor, como os próprios filósofos tratam, é uma questão metafísica e por isso, carrega toda ambivalência do universo, sendo assim, não podemos mensurá-lo através de pares de oposição, bem/mal, bom/ruim, sagrado/profano.
Não estou aqui desmerecendo a grandiosa obra de Platão, nem mesmo desdenhando do desejo. Ele é uma manifestação humana que pode ou não estar relacionada com o amor (a psicanálise explica). No poema “Desejos”, de Carlos Drummond de Andrade, é possível observar que o desejo nem sempre vem imbuído de erotismo:
“Desejo a você
Fruto do mato
Cheiro de jardim
Namoro no portão
Domingo sem chuva
Segunda sem mau humor
Sábado com seu amor”
Basta pensarmos no amor que sentimos por nossos pais, irmãos, amigos. Pergunto então, esse amor é outro amor? Ele é separado por categorias? Por função? Aliás, ao ler O Banquete tive uma ótima percepção sobre o amor, principalmente quando é comparado à verdade e à sabedoria. Acredito que amor, verdade e sabedoria estão acima do desejo. Esse desejo que nos desumaniza, essa analogia com brinquedo, aquisição de bens de consumo e material está muito mais voltada a uma banalização dos sentimentos da vida contemporânea, inspirada na lógica da substituição, do descarte. Assistimos o amor sendo vendido nas prateleiras da mídia irresponsável e perversa.
E é dessa atrocidade que fujo quando me enterro no lirismo, porque acredito piamente no amor. Prefiro lê-lo pelas linhas de quem entende que a reciprocidade existe e se ela acontecer, o amor vai além do físico, posse ou egos inflados de desejo. Assim, prefiro confiar no que o brilhante poeta chileno, Pablo Neruda, escreveu: "Amo-te sem saber como, nem quando, nem onde, amo-te simplesmente sem problemas nem orgulho: amo-te assim porque não sei amar de outra maneira."
sexta-feira, 2 de outubro de 2015
A outra face
Sobre o primeiro olhar no intervalo
Entre o piscar que acende e esconde
Estampado de tristeza, talvez pavor
Ao mesmo tempo tênue ar de pureza
Um deslumbramento meio escondido
Por detrás das cortinas dos cabelos
Linhas livres como um véu que dança
Embaçado de poesia e esperança vã
As flores trazem a dualidade roxa
Da infância e frias noites cemiteriais
Cem mil faces, nomes e inspirações
Quase nenhuma de aspiração frívola
Às vezes uma, outras ou ninguém
Coisas escritas pelos cantos da boca
Asas que te querem cortar, inúteis
Mais coragem que o medo do medo
Verdades que escorrem pelo ralo
No desejo que anseia novos banhos.
Anna Poulain
terça-feira, 29 de setembro de 2015
Des-esperar
Quando tudo que já se teve
Faz o hoje um devir fria neve
A dor que antes na alma rara
Agora negocia a alegria cara
O querer que teimava ano a ano
Ao passar tornou-se frio engano
E a vida que outrora feliz seguia
Zomba do rosto, cansada agonia
Como voltar por um caminho morto?
Já não há atalho mesmo que torto
O mundo prossegue pedra sorrindo
E a gente continua carne fingindo.
Ana Oliveira
Faz o hoje um devir fria neve
A dor que antes na alma rara
Agora negocia a alegria cara
O querer que teimava ano a ano
Ao passar tornou-se frio engano
E a vida que outrora feliz seguia
Zomba do rosto, cansada agonia
Como voltar por um caminho morto?
Já não há atalho mesmo que torto
O mundo prossegue pedra sorrindo
E a gente continua carne fingindo.
Ana Oliveira
Encanto
O corpo que ora profano, ora sagrado
Quer e se não, renega o desejo alheio
Flutua quando cabe em si, por si só
Beija a mão de deuses desgarrados
Lambe a ferida de monstros sagrados
O corpo que anda no pó da contramão
Queimado na fogueira das palavras
Banido pelos olhares e falácias afãs
Faz do caos aquilo que lhe convém
Enfeitiça o mal e seduz seu bem
O corpo que nem perfeito, nem pouco
Dança nu em telhados e fases de lua
Renega o vil poder da tortura santa
Abusa da magia limpa e invisível
Ama-se sobre o altar do impossível
Anna Poulain
quarta-feira, 16 de setembro de 2015
Tuas cores
da janela espero o dia amanhecer
o sol já vai chegar
amarelo como o dia deve
ter você vai despertar...
arco-íris, sete cores em teu ser
pra um dia eu descobrir
qual a cor e o segredo pra fazer
os teus olhos sorrir
tons em verde,
vejo flores em você queria te dizer
teu perfume, um jardim dentro de ti
vem me entorpecer
céu azul, vejo raios furta cor
o sol já vai se pôr
acontece quase sempre sem querer
o vermelho do amor.
Anna Poulain
Vuelo
Cuando el corazón sube
Separa los pies del suelo
Encuentra un lugar mejor
Para vivir en otro sentir
Cuando se olvida el controle
A nadie pide perdón
Concede a pasado pasar
Repara que el mundo para
Cuando abre la mano egoísta
Ni mismo se pierde de vista
Percibe que así sin dolor
Vivienda le hace el amor
Mar Rubina
terça-feira, 15 de setembro de 2015
Languidez
Através do reflexo do vidro da janela vi você passar, em uma tarde qualquer. Coração feito um trem desgovernado, o suor escorrendo pelos vincos da pele, pupilas ansiosas e ao mesmo tempo disfarçadas, mãos geladas em pleno verão tropical. Depois de muitos dias na árdua tarefa de esquecer o desenho do teu rosto, eis que tudo está arruinado. E nesses poucos minutos em que caminha de uma esquina a outra, pela roupa que usa, o jeito que anda e a direção para onde olha, leio tua alma e as emoções que naquele instante, em ti afloram. Porque toda vez que quase te esqueço algo quase me traz tua vida de volta? Nem mesmo para as perguntas gostaria de quimeras. Preciso que abra mão desse caminho, que esqueça meus cheiros e músicas e atravesse para o lado certo da rua que escolheu andar. É inútil matar um amor que já nasceu em estado terminal, sem espaço, nem tempo. Não almeje procurar quem já não suporta mais arder.
Ana Oliveira
sexta-feira, 11 de setembro de 2015
A última cinza
Você salivou tanto
Que teus ouvidos entupiram de egoísmo
Que teus ouvidos entupiram de egoísmo
A tua insistência foi tamanha
Que não houve resistência
Contra a força do laço, nem do abraço
Que não houve resistência
Contra a força do laço, nem do abraço
Tanto fez que feriu a espera úmida
Da lágrima que virou gosto e cor de sangue
Agora pousa uma pedra de asas negras
Em cima do coração que agoniza
Sobre minha sina torta e morta
Revoa a tua vida mais que perfeita
Assim, o esquecer suplica à lembrança
Deixar quem nunca lhe dedicou
Tento matar a golpes precisos
O tempo que foi perdido
Da lágrima que virou gosto e cor de sangue
Agora pousa uma pedra de asas negras
Em cima do coração que agoniza
Sobre minha sina torta e morta
Revoa a tua vida mais que perfeita
Assim, o esquecer suplica à lembrança
Deixar quem nunca lhe dedicou
Tento matar a golpes precisos
O tempo que foi perdido
Acabou o sol
Acabou o cigarro
Acabou no crematório
No final, tudo acaba em cinza.
Acabou o cigarro
Acabou no crematório
No final, tudo acaba em cinza.
Ana Oliveira
terça-feira, 8 de setembro de 2015
Contemplação
Mergulha
Na beleza de uma vida
Que não quer ser rasa
No mistério dos elementos
Transborda
De riqueza interior
Que renega o material
Ínfimo diante da alma
Transcende
Além do ouro e do linho
Em amor corpo sem ninho
O superficial nada mais é
Converge
Em energia que conecta
No mundano que unge
O virtuoso que transgride
Na beleza de uma vida
Que não quer ser rasa
No mistério dos elementos
Transborda
De riqueza interior
Que renega o material
Ínfimo diante da alma
Transcende
Além do ouro e do linho
Em amor corpo sem ninho
O superficial nada mais é
Converge
Em energia que conecta
No mundano que unge
O virtuoso que transgride
Anna Poulain
sexta-feira, 28 de agosto de 2015
Carol Girassol
O Amor nunca desiste
Dorme enquanto a flor nasce
O Amor jamais descansa
Inventa mundos enquanto dança
O Amor jamais enfraquece
Sonha enquanto agradece
O Amor nunca fraqueja
Acorda e veste-se de girassol!
Da preta pra nega branca
Sonha enquanto agradece
O Amor nunca fraqueja
Acorda e veste-se de girassol!
Da preta pra nega branca
Pajarar
Tengo pasado el pasado para tras
En las noches que contigo paso
A cada paso siento el presente
Pasando en la vena del vientre
Que palpita como un pájaro revuelto
Mar Rubina
Resignação
Medos são coragens traumatizadas
Bondades negadas
São os gritos que querem ser risadas
Dores antecipadas
Arrependimentos que não nasceram
Medos são amores abortados
Livros fechados
São corações trancados sem chave
Ida sem nenhuma volta
A porta que ninguém abriu
Medos são as fomes resistidas
Medos são as fomes resistidas
Saudades vencidas
São beijos e abraços negados
Discos riscados
Vontades que morreram esquecidas
Ana Oliveira
sexta-feira, 21 de agosto de 2015
Paradoxo
Nascem excêntricos
Hábeis em sua dualidade
Relatam cartas e magias
Mas não querem intuir
Dois pesos, duas medidas
Quando pensam no amor
São impacientes na dor
E corrosivos no humor
Desafiam-se e festejam
Ardilosos com os tolos
Atenciosos com os sábios
Seus camaleões coloridos
Sabem do céu e da terra
Das conversas consigo
Viajam e voltam de mundos
Sem de dentro de si sair
Sem de dentro de si sair
Ana Oliveira
quarta-feira, 19 de agosto de 2015
Baldaquim
Nasceu dentro da lua
No quarto do coração
Para as confissões
Recorre com freqüência
Ao diário íntimo
Alma delicada e taciturna
Não digere facilmente
Alimentos emocionais
A inconstância ali ausente
Seu lugar são os tons
Da madrugada tenra
Esconde-se em casulos
Carapaças protegidas
Ainda que por dentro
Sentida carne macia.
No quarto do coração
Para as confissões
Recorre com freqüência
Ao diário íntimo
Alma delicada e taciturna
Não digere facilmente
Alimentos emocionais
A inconstância ali ausente
Seu lugar são os tons
Da madrugada tenra
Esconde-se em casulos
Carapaças protegidas
Ainda que por dentro
Sentida carne macia.
Ana Oliveira
Décimo primeiro
Mas ali não queria viver
Tantos mundos na cabeça
Sem habitar nenhum
Iniciou sua incursão
Ao planeta que não era seu
Tampouco de ninguém
Alimentou seus signos
Renegou seus preconceitos
E com quase nenhum plano
Rumou à curvatura da terra
Precisava compreender
Porque seu pedaço de céu
Parecia sempre tão pequeno.
Ana Oliveira
terça-feira, 18 de agosto de 2015
Prenunciação
Vazio morava com Solidão. Sempre aflito, isolado. Fazia de tudo para encher-se. Viajava, comprava, consumia doces que se transformavam em devaneios amargos, amava tolas, vagas e ocas. Tudo inutilmente. Nutria uma paixão secreta por Solidão, platônica. Esgueirava-se pela casa espionando nos olhos vazados dos quadros, fechaduras e buracos na parede, inventava subterfúgios para chamar a atenção da amada. Nutria por ela um desejo doentio, quase mórbido, quase sádico, quase amor. Um dia decidiu declarar sua ânsia. Há muito viviam sob o mesmo teto, porém, não compartilhavam das mesmas angústias, tampouco das mesmas aflições. Solidão era forte, segura, resolvida. Vazio era indeciso, amargurado, distraído. Solidão ouviu a confissão quieta, sem proferir opinião alguma, esboçou apenas um sorriso amarelo e pediu para que Vazio fosse embora. Ele ficou ali, dentro do seu vão, sem órbita, não sabia e nem conseguia pensar em mais nada a não ser em imergir em si mesmo. E assim o fez, penetrou no precipício do vácuo e se foi. Solidão cravou uma placa no jardim: Há vagas. E muito em breve ouviram-se sonoras palmas. Era a liberdade pedindo se podia ali viver. Solidão mais que depressa abriu as portas e janelas de seu lar e de seu coração. Liberdade fez-lhe apenas um pedido: que Solidão deixasse que seu irmão de quando em quando a visitasse. A anfitriã ponderou, mas antes quis saber o nome do visitante. E tão breve como o voejar da borboleta, rendeu-se.
Afinal, não se pode negar nada ao Prazer.
Ana Oliveira
Recôndito
Segredos são vontades guardadas no fundo da gaveta do desejo. Sentimentos tímidos que preferem o anonimato, o estranhamento. O segredo do desejo é a espera. A secreta tardança que gira o mundo aos poucos, acariciando suas entranhas e embalando seus caprichos na inútil tentativa de dissuadi-lo do objeto escondido, desejado. Mas a fome do querer é impetuosa. Por isso, o segredo da espera é a distração. O delicioso devaneio da irreflexão, do alheamento voluntário que nos permite ludibriar até mesmo a tentação das confissões. E é no cochilo que o segredo devém mistério. Mistério é a magia do segredo. Andam em todos os cantos, debaixo das pedras, das camas, impressos nos olhos que riem do que ninguém supõe. Ocultos nas folhas brancas que denunciam os escritos arrancados. Manchas que querem ser adivinhadas através de suas cores e cheiros. São flores deixadas em caixas postais sem alcunha nem palpite. Pernas que conversam sob a mesa, bilhetes deixados em bolsos, abraços que procuram motivos para serem demorados. Mistérios são enigmas que querem ser desvendados, são as peripécias do segredo.
Ana Oliveira
terça-feira, 11 de agosto de 2015
Tão
Já não tenho tanta calma
Com estas almas que sugamPessoas que de tão pesadas
Me deixam assim tão cansada
Já não quero tanta gente
Com promessas tão vazias
Egos que de tão gigantes
Tornam a vida angustiante
Já não aguento essa tortura
De ser tão acaso do nada
Quero a escolha e a paz da ternura
Já não suporto ser tão torta
Tão bengala da vaidade alheia
Que o vento leve para longe esta porta.
Ana Oliveira
Usted para mí
Que no hay medida
Para emocionarme
Usted y esa sonrisa suelta
Que no mide esfuerzos
Para conquistarme
Yo quiero tenerte acerca
La vida con usted impera
Y la añoranza espera
Para hechizarte
Usted y ese canto libre
Que no hay límites
Para relajarme
Usted y estos ojos fondos
Qué vienen en un segundo
Para observarme
Yo quiero con usted un fragmento
Solo para tener tiempo
Para aproximarme
Los días están contando las horas
Nuestro abrazo aflora
Para el amor amarte
Para emocionarme
Usted y esa sonrisa suelta
Que no mide esfuerzos
Para conquistarme
Yo quiero tenerte acerca
Ya no me despierto
Sin desearte
Sin desearte
La vida con usted impera
Y la añoranza espera
Para hechizarte
Usted y ese canto libre
Que no hay límites
Para relajarme
Usted y estos ojos fondos
Qué vienen en un segundo
Para observarme
Yo quiero con usted un fragmento
Solo para tener tiempo
Para aproximarme
Los días están contando las horas
Nuestro abrazo aflora
Para el amor amarte
Carmen Rojo
Ciganear
Certa vida quando lida
Se revela nau sofrida
Nem disfarce, alegoria
Devolve à alma a alegria
Uma mão quando estendida
Tem a hora interrompida
Para o tempo num suspiro
Sofre de futuro o respiro
Vivos olhos que esperam
Ânsias, medos se revelam
Ao que o fado lhe decifra
Menos tempo lhe acredita
Fé que foge quando olhada
Não espera quase nada
Nasce para outro tempo
Se revela nau sofrida
Nem disfarce, alegoria
Devolve à alma a alegria
Uma mão quando estendida
Tem a hora interrompida
Para o tempo num suspiro
Sofre de futuro o respiro
Vivos olhos que esperam
Ânsias, medos se revelam
Ao que o fado lhe decifra
Menos tempo lhe acredita
Fé que foge quando olhada
Não espera quase nada
Nasce para outro tempo
Vai embora como o vento
quinta-feira, 6 de agosto de 2015
De perto
De perto nada é certo
Pois o portoDe perto é outro
Porém de perto
É certa a pele
O tronco
O ponto
O gelo
O fogo
De perto é beijo
É a natureza das coisas
Das costas
Das pernas
De perto tem o som da voz
O mundo é descoberto
E a alma desperta
De perto tem o sonho ao lado
Tem a vela acesa
A mesa posta
A noiva morta
A carne
A Carmem
De perto nada se espera
Tudo se cheira
Se come
Se fala
Se cala
De perto tem o ouvido
Que treina pra receber
O canto no canto
Da boca
Da roupa
Do quarto
De perto tem o moço
Que acalma e aguça
Que canta e encanta
A moça que sonha
Que espera
Que aperta
Tem o sorriso
Que ameaça um beijo
De perto é a vontade
Da saudade
M&A
quarta-feira, 5 de agosto de 2015
Três dias
Três dias com você não seriam bons. Seriam três dias em que me acostumaria com teu corpo quente, tão incomum em minhas madrugadas inóspitas. Talvez fossem três dias onde eu esqueceria de apagar as velas ou a chama do fogão. Três dias. Três longos dias que seriam como três ligeiras horas. Certamente setenta e duas horas de batimentos cardíacos acelerados, não da saudade cotidiana, mas da espera que acontece, do desejo que não tarda. Seria pelo menos três cafés acompanhados de olhos que não querem fechar para não perder o outro de vista. Três pães temperados com o gosto doce da noite que ainda não dormiu.
Três dias com você resultariam em três noites. Três noites em que esqueceria a fome que se come e cessa. Três madrugadas em que a sede seria apenas de mais um beijo molhado de vinho e que este, seria apenas aquele que precederia o próximo. Três dias com você significaria os únicos três dias sem saudade desde que te conheci. Minto. Seriam apenas três fins de tarde em que não andaria calmamente, correria...
É... Três dias com você não seriam bons. Bom é uma palavra calma, delicada, útil. Mas três dias inteiros com você não seriam calmos, delicados, tampouco úteis. Essas quase cem horas em que minha alma não desconectaria da tua seriam rasgadas, suadas, abusadas e inúteis. Inúteis para o resto do mundo que lá fora continuaria a correr. Três dias com você seriam sem hora, nem ponteiro. Sem amanhecer, nem anoitecer. Três dias ao seu lado seriam três marcas no espaço onde o tempo seria medido apenas pelo intervalo do nosso amor.
Ana Oliveira
O não do amor
Amor não tem que preocupar, tem que
ocupar. Ocupar o armário com as roupas que se abraçam no silêncio da noite.
Ocupar o quarto com os cheiros que se confundem numa dança frenética, ora odor,
ora perfume. A mesa com os vinhos das terças que são melhores que sábados. É
encher a geladeira com o prato predileto que ocupa os intervalos entre filmes e
beijos. É entrelaçar fortemente as pernas para ocupar todos os espaços entre as
peles. Amor é ocupar o tempo para que ele se atrapalhe e esqueça de passar. É
um ocupar-se de si mesmo para estar bem para e com o outro. Amor é
deixar a vida com vontade de se ocupar da outra que também é sua, que também é
dela.
Amor
não tem que prever, tem que ver. Ver que aquele rosto sorrindo esconde um cinza
que quer ser aquarela, que deseja ser pincelado mais de saliva, menos de
lágrima. Perceber que aquele “não” é apenas a potência de um sim que quer ser
adivinhado, timidamente descoberto. Amor é também não ver. É não precisar ver
aquilo que só pede para ser intuído, que só sonha em ser ouvido. É enxergar que
aquela bagunça da casa, talvez seja a confusão de uma alma que está em reforma
ou precisando de abraço. É não esperar que o outro apareça, procure, convide,
mas o sossego da hora que só tarda, não demora. Amor não é antever o fracasso.
É lamber a ferida com as palavras do alento que enfim repousa no colo da
cumplicidade.
Amor não tem que preparar, tem que parar.
Parar de apontar no outro aquilo que o próprio espelho denuncia. Estancar o
sangue da veia que desconfia do que mora apenas na mente de quem aprisiona o
afeto. Ele necessita parar de querer
amar sozinho. Entender que solidão boa é a da escolha, não aquela em que dois
corações batem em descompasso, em cada canto, em cada quarto. O amor tem que saber
parar o choro sem sufocar as lágrimas que também lavam a dor. Não pode impedir
a liberdade de voejar o seu livre arbítrio e de poder voltar para a gaiola do
colo sempre vasto e a espera. O
amor precisa interromper a saudade quando a vontade já não responde aos
estímulos da calma, sofre de urgência.
Ana Oliveira
Cura
Não pensar é uma arte.
A arte de esquecer só um naco, um lapso, um pouco. Não pensar é um
subterfúgio que devolve o sorriso, ainda que breve. E nesse intervalo entre o pensar e o “não” é que
a vida acontece. Não pensar é o amanhecer que vai acordando com a fronha mais
seca das lágrimas da saudade. São os olhos que deixam de enxergar em preto e
branco e a cada piscada pintam uma tela de possibilidades. Esquecer não é não
pensar. Esquecer implica em enterrar o pensamento e torcer para que a memória
involuntária não nos presenteie com o tempo perdido num domingo de manhã. Não
pensar é a esperança do esquecer. É um espaço onde a angústia dá trégua para o
desejo descansar. Um lugar onde o sabor e os aromas da lembrança permitem que
se prove de outro tempero, ainda que azedo, ainda que cure.
Ana Oliveira
quarta-feira, 22 de julho de 2015
Epigrama
Tumbas que já foram vidas
Restos que já dançaram tango
Comeram frutas da estação
Mulheres que já existiram grávidas
Mausoléus que já foram deuses
Vozes que ecoaram em púlpitos
Obrigaram ditaduras
Homens que já seguiram vieses
Sepulcros que já foram fantasmas
Segredos que nunca amaram
Cortaram pulsos, línguas
Corpos que já foram almas
Ana Oliveira
Maio
Tenho apenas o desejo dos teus olhos
Palavras que por pouco tempo minhas
O coração sujo de alegrias lembradas
Uma noite ou outra manhã qualquer
Tenho sufocado as paredes que se calam
Certo refúgio num repouso efêmero
Pois a vida teima em prosseguir
Embora o menino esteja guardado no amor
Ana Oliveira
quarta-feira, 1 de julho de 2015
Carta ao amor
Meu amor,
Não estava te
esperando. Sentia que tu virias, mas nem quando, nem onde. Quando chegastes,
fugi. Corri desesperadamente de ti. Fui a bares, bebi vinhos, fiz poemas. Tudo
na tentativa frustrada e inútil rumo ao caminho contrário ao teu. Mas quanto mais
escapava, melhor te via. Sei que contigo não fora diferente. O destino nos empurrava contra essa corrente
de fuga. Leis da física, química e todos os elementos combinados produziam uma poderosa
alquimia, fazendo tudo conspirar a nosso favor. A nosso favor ou contra? Ainda
não sabemos. Arrisco dizer que é tarde demais para pensar. Eu só quero que entendas que não estava te esperando porque já não esperava nada. E ainda não espero.
Porque do amor a gente não exige, não planeja, nem negocia. O amor é via de mão
dupla, um sentir sem atropelos, sem súplicas ou jogos de força. O amor só é se quiser
ser.
Ana Oliveira
segunda-feira, 29 de junho de 2015
Nu
A nudez faz-se necessária.
Já é hora de sermos sós
Só alma
Só banho de lua
Cicatrizes, tatuagens
Só forma,
Conteúdo
Sem preço, só valor
A nudez é urgente!
Só o prazer
A consciência refletida
Nossos odores, pêlos, marcas
Quanto saberíamos desnudos?
Só ser sem contas
Poros arrepiados
Denunciando os sentidos
Só coragem
Sol e carne
Ana Oliveira
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