sábado, 21 de dezembro de 2019

VXIII

[14:28] No vazio da escrita, as vezes, moram outras palavras. Como uma casa desabitada no meio do mato, o intervalo da escrita abriga poemas, canções e pensamentos outros.

[14:34] Ela diz que não, mas gosta desse corte, que à moda Cabral, é por onde lhe escorrem os poemas. Um buraco no meio do peito. Um intervalo no meio do dia. Uma ruptura no meio da pós-modernidade.

VII

[18:04] Enquanto apaga três dos cinco capítulos escritos, vem a mente interrogações das mais variadas profundezas:
[18:06] Porque o pão sempre cai com o recheio virado pra baixo?
[18:07] Porque a xícara tem apenas uma alça?
[18:08] Como te amar sem me odiar?
E fica pensando que podemos nos apaixonar por quem não nos ama, mas que a amizade só existe na admiração de um para o outro.
[18:11] E que a geleia é sempre melhor que a dieta.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

VI


22:44]Deveria ter escrito ao menos duas páginas. Mas não. Entre recorta, cola e apaga, foi apenas uma. Mísera e desgraçada página dos quintos dos infernos. Calma. Pessoa letrada não fala assim. 
[22:47]Letrada? Lesada! Levanta e começa a pensar em rimas para letrada. 
[22:51]Letrux não rima, mas ‘Vai render’ é uma ótima música pra se ouvir agora. Pronto. Acabaram-se as letras por hoje.

V

[23:02] Passa o dia todo em trabalho de parto literário. Sente dores nas costas. Bebe muito café. Deita. Sonha acordada e dormindo. Caminha pelo apartamento à moda da barata tonta. Assiste a um filme de Guel Arraes. Brinca com sua gata e uma bolinha de papel enquanto pensa:
[23:06] A gata.
A gata nem sempre parece gato. Parece cachorro. Parece coelho. Mas, diferente de coelhos ou cachorros, a gata dorme porque quer dormir. Come porque quer comer. Fica em silêncio porque não tem nada a dizer. Ser gato é da ordem das vontadezas.

IV

[15:47]: Saldo da tarde de escrita:
[15:45}: Três poemas, uma conclusão sobre o caráter dos deuses e um pão comido por uma formiga.

III

[15:30]: Nenhuma palavra digitada. Nem escrita. Só silêncio. Enquanto o vazio toma conta do branco ela observa uma formiguinha na parede:
[15:33]: A formiga.
A formiga não é bem uma formiga. É um pontinho caminhante que vagueia no deserto branco. A parede é limpa-suja. Tem ondulações. Paralelepípedos formiguíneos. A formiga tem apenas um destino. O pão.

sábado, 14 de dezembro de 2019

II

[16:07]:Para continuar fugindo da escrita ela conversa com seus irmãos londrinos sobre intermináveis assuntos aleatórios:
[16:09]: - Pede ajuda para o tio Lú! Ele nunca nos desampara. 
[16:09]: - Esse aí eu não confio. Gosto. Mas não confio. Nem Drácula confia nele. 
[16:09]: - Na real o tio Lú e o Drácula tem uma competição. 
[16:10]: - Sim. [16:10]: Mas o Dracula dá um show no tio Lu em classe e indumentária. 
[16:11]: Se dá! Ele é um Lord. O Lú é um lacaio.

Delírios acadêmicos

[14:06]: A pessoa tenta estudar e não consegue. Inventa mil desculpas pra não escrever. Lava a louça. Tem fome. Come. Pega um café. Varre a casa. Sem mais nenhuma outra desculpa, olha para o pão sobre a mesa e faz um poema.

[14:07]: O pão:
O pão é mais milenar do que o poema. O pão e a poesia ninguém sabe quando nasceram. O pão tem mais sabedoria do que a poesia. O pão só não ganha do vinho. Empata.

terça-feira, 5 de novembro de 2019

Mapa primitivo

A moça de alma intransitável
Não negocia a liberdade
Nem o direito ao sexo orgânico
De sua solidão resolvida
Foge do rigor canônico
E das almofadas na janela
Evita também casamentos
E coentro na comida
Enxerga um leão na lua
Livre em sua selva amarela
Nutre-se de saudável tristeza
Sem corromper a natureza
De seu espírito indomável

quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Os subterrâneos do sonhado

Em meio aos girassóis
Do Século de Ouro
Grávida de naturezas-mortas
Seu inimigo não é mais o tempo
Mas os pigmentos que desbotam
A cada primavera provençal
Sua profundeza ora invadida
Por testes de laboratório
Descama, perde filhos e camadas
Deflorada por venenosas
Misturas hormonais
Tudo envelhece
Sangue, aquarelas, ovários
Menos a pintura fecundada
No meio da sala do sonho

Ana Oliveira

quarta-feira, 31 de julho de 2019

Semente





















Quatro anos
Perdemos os cabelos, o juízo por tantas desilusões,
Mudamos de casa, de emprego, mudamos de ideia
Os cabelos cresceram, a saúde voltou,
Nós não somos mais as mesmas, mas ainda somos essência
Quatro anos se foram
Pra trazer mais uma Monange
Quatro anos virão
Para outra vez olharmos as fotos e pensar:
Quem são estas garotas?
Somos nossa própria semente

Ana Oliveira

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

Rapte-me camaleão

Quer coisa mais forte que isso?
Somos vento.
Conhece algum macho que se autoproclame: vento?
Perdem tanto tempo sendo viris que não se permitem ser metáfora.
Somos alegoria.
Capazes de ser qualquer coisa e por isso, impossíveis.
E de tantos devires podemos ser livremente: tudo e nada.
Inclusive literais.
Machismo algum jamais vai entender isso: rapte-me camaleão!
Mulher é portátil, inoxidável, eu sou.

Ana Oliveira