sexta-feira, 15 de julho de 2016

Abandonos

Risco meu rosto cansado
E visto a máscara de estátua
Saio engolindo tristezas
Pelos abandonos da rua

Choro a sina da impotência
Da resistência de mãos atadas
De um olhar que sente a cidade
Que passa saudando a calçada

Ando passível ao encontro
De quem vive a própria sorte
Teimando escrever a história
Da vida que segue sem rosto

quinta-feira, 14 de julho de 2016

Deseo de niña















En encuentros imaginarios
Te veo en medio a la multitud
Planeo mis palabras ensayadas
Salgo a tropezar en mi inquietud

En una soledad ansiosa y callada
Con invencible deseo de niña
Vivo de toda sorte, aislada
A buscarte como ave de rapiña

Sin ti, mi memoria es una luz
Que alumbra un ricón sombrío
Hecho ojos paganos de un andaluz
Desenganado amor en desvarío

Ana Oliveira

Amor chuva





















Sem saber por onde começar
Nem quem querer
Cansado da fama de tudo poder
O amor se fez chuva
Pra não ter que explicar
E chegar sem pedir
Choveu assim
Como, quando e onde quis
Levou as coisas do varal
E ignorou os desavisados
Tão breve e devastador
Que arrasou tudo
Deixando rastos molhados
Que secam
Mas nunca são os mesmos
Penetrou na alma da roupa
E na roupa da alma.

Ana Oliveira

sábado, 2 de julho de 2016

Ainda sobre sonhos





















Sonhos são balões selvagens
Que moram no céu do inconsciente.
Vagam pelos atalhos das nuvens
Em meio à metamorfose das chuvas ácidas
Que choram vermelhos pingos de saudade.
Devaneios que nunca dormem
Sabem misturar desejos
Com mentiras escondidas
Querem ser contados,
Mas muito mais esquecidos
São quimeras voadoras que viram mar
Rabiscos oníricos
De onde saltam seios macios, ressentidos,
Vivem no pequeno instante
Em que os cílios borboleteiam
No véu da madrugada

Ana Oliveira

O sonho do outro


Um dia descobriu que vivia outras vidas. Não que lhes faltasse tal merecimento, apenas não eram suas. De pequena, inconscientemente decidiu não viver a sua existência. Talvez por nunca ter nela encontrado sentido ou abraço. Desde então passou a emprestar seu vazio para lotar sonhos alheios, sem que jamais algum a pudesse preencher. Vivia em uma espécie de limbo. Um purgatório de almas emprestadas que, de início, fuga, mas que depois se tornara ofício. Certa vez, assim num piscar de olhos, fora banida daquele que, por um lapso de tempo e espaço, acreditou ser seu primeiro sonho. Ficou vagando como um depositário de desejos ambulante e fatigado, frequentando bares e becos em busca de vontades sem lar como um parasita largado à onírica sorte. Encontrou muitos deles e, ao passo em que fazia o que de melhor sabia, a mais terrível angústia lhe acometia as entranhas: não mais sonhar. Eis que um sentimento vestido do mais cruel caráter perfurara seu subconsciente e ali injetara generosas doses de ausência de ilusões. Dias e noites delirantes degustaram suas vísceras ardidas e magras em que já não distinguia o cheiro nem as cores das coisas. Tudo parecia amarelado e as vozes agiam tão distantes quanto os rostos desfocados. Queria um sonho! Poderia ser qualquer um. Jamais os havia escolhido tampouco subestimado. Cansada e aturdida, sem o único dom que lhe tornara útil, ingressou em uma longa viagem rumo ao lugar para onde vão todas as quimeras perdidas. E fora ali, na ante-sala da última gota de sangue, quase sem mais tempo ou sorte, que encontrou os sonhos que incansavelmente buscara, e eram todos seus.

Ana Oliveira