sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Metamorfosis














Maldita sea la poesía
Que nos hace metamorfosear
Los vómitos en cosas bellas
El poeta pega las tristezas
Lava bien, rutina, amasa
Mistura con ingredientes dulces
E vira verso, después,
Distribuye en pociones generosas
O homeopáticas por el universo
Va a depender de la dosis del alma
Que necesita cada corazón
Cuando el dolor quiere ser amor,
La pluma sienta e escribe.

Ana Oliveira

Embriaguez

















Tenho bebido saudade
E continuo morta de sede
Lambo tuas fotos
Que têm cheiro e textura
No mesmo momento em que
Me embriago vendo teu vulto
A dançar pelo quarto
O velho espelho que
Já refletiu nosso desejo
Agora revela com pesar
A sombra opaca do vazio
O coração da minha boca
Chora enquanto mastiga
A própria carne que sorri
Ando comendo os olhos
Dos sonhos proibidos
Que guardam teus regalos
No baú das horas perdidas
Me arrasto pelos porões da dor
Procurando os gritos de êxtase
E só encontro as memórias
Amareladas do nosso ontem.

Ana Oliveira

Passarinho
















Ando enlouquecida
De tanto escrever você
Não descanso meus olhos 
Porque pressinto 
Que teu voo está próximo
Sei que, sem teu abraço
Sou um vento inabitado 
Uma corrente que teima em vazar 
Pelos vãos dos teus dedos 
Para morar nas confusas 
Linhas da tua mão 
Minha alma anda furiosa 
Deseja ser as páginas acariciadas 
Do teu livro de cabeceira 
Pisa em teu peito perfumado 
Como que em folhas de outono 
Cravando garras e asas 
Na fantasia de mais algum instante 
Do teu beijo mordido, cuspido 
Ando cega e tonta pelos versos 
Sem saber se o nosso tempo 
Há de ser quando ou onde 
Escalo teu corpo com febre 
Espalhando pedaços de saudade 
E um rasto de amor imortal.

Ana Oliveira

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Vertente


Há dias em que deságuo. Ninguém vê ou supõe porque o estado líquido da gente é como uma cascata escondida no meio do mato selvagem. Essa que passeia silenciosa entre as pedras que abraçam e consolam sem saber por quê. São tão longos esses dias de chuva. Inundam o velho e cansado peito de um jeito, que nem mesmo o vento seco de verão é capaz de levar os fluídos para onde tudo é doce e permitido. Há poucos meses fiz um acordo com o universo: Que cada um de nós encoraje seus vícios e propósitos, desde que a angustiante chuva volte apenas em meados de maio.

Ana Oliveira

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Jardim onírico





















No mágico jardim clandestino
Escondidas pela nuvem cinza
Corpos sagrados dançam
O fogo mágico do destino
Olhadas pela doce mãe lua

Misturadas com a noite quente
Futuro infinito que ainda dorme
Face lânguida de sedução inocente
Entrelaçam pernas encantadas
Inatingível mulher de formas bravas

Produzem ecos seus pensamentos
Enquanto superam abalos e torturas
Evocam um amanhecer onírico
Ondulado em sua inexplicável leveza
De adorada e pagã profundeza

Ana Oliveira

Céu de dezembro




















Será que o céu de dezembro desentristece?
É sempre o último e por isso, um velho sábio
Palco das dores familiares, acertos, pesares 
Promete trazer as coisas perdidas, aquecidas 
Quem sabe até algo triste do azul melancolia 
Que também azuleja alguma tênue euforia

Será o delírio das chuvas de novembro?
Que arrasta os joelhos nas pedras da solidão 
Um jovem sem futuro, em sua magra finitude 
Que chora o dia e a noite em desencantos 
E canta para acalmar a fúria dos ventos 
Trazendo a nudez do trovão em prantos

Será que o céu infinito no fundo não é céu?
Teto que profana meses ilusoriamente criados, 
Feitos de fases que denunciam o passado 
De um anil que dedica-se a confundir o tempo
Talvez uma vastidão imponderável de sonhos 
Vivendo apenas de lua e vozes esquecidas 

Ana Oliveira

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Cor de sangue


Densa lágrima vermelha 
Suja o corpo de quem ama
Quando o coração chora
É o ventre quem derrama

Alma não manda nada
Vive com pouco vagando
Supõe enganar o tempo
Tolice de viver sangrando

Carne que vomita amor
Na calma que o dia obriga
Finge ver mais que uma cor
Na noite que a dor paralisa

Ana Oliveira

Livrarte





















Enquanto o amor fere e não consola,
A arte espera ansiosa pelo mergulho.
O que desenhar sobre um querer egoísta,
Hedonista, disfarçado de boas intenções?
Quem acha que ama, ama mesmo a si
Ama o que o outro lhe seduz, produz
Uma espécie de retrato de Dorian Gray,
Lindo, mas cheio de dolorosas feridas
A arte não te chicoteia, nem mutila
É a única maneira de mantermos as ilusões
Não te esquece nos feriados, nem nas dores
Não te rouba o viço e depois emudece
Se arrepender de um prazer é impossível
Basta não confundir com a eternidade da alma
Quem te ama quer você livre, mas perto, inteiro
Nada além disso, ousa-se chamar de amor
O amor disfarçado te enfraquece, trapaça
É um impulso reprimido que te envenena
A arte te faz brilhar e ser chama viva
É a poção mais sábia da redenção.

Ana Oliveira

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Noite no coração
















É noite no coração
Hora de contar as perdas
Enfileirar sofrimentos
E jogar na densa vastidão

O céu também chora
Ao ouvir o fraco lamento
Do que já nasce para morrer
Num amanhecer sangrento

A lua separa os mundos
Num intento desesperado
Deseja que o dia volte
Para o amor partir, acabado.

Ana Oliveira 

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Por um fio













Coração, manchado de sangue
Encarcerado num sonho vazio
Colorido, selvagem e perverso
A espera sempre por um fio

Solidão, névoa recém chegada
Nasce com a noite entorpecida
Mãe terna que embala as lágrimas
Dos loucos sorrisos de despedida

Escuridão, demais para aguentar
Quer mergulhar num riacho frio
Voltar ao mágico tempo sem dor
Exausta caminhada do desvario

Ana Oliveira

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Luz bailarina





















A taça manchada de euforia
No corpo que queima, marcado
Agora quebrada denuncia
O espelho do outro desejado

Guarda pra noite o cansaço
Embora nem mesmo um abraço
Rouba pra longe quando chega
Sonha de perto quando beija

O colo suado que afaga
Deixa que a escuridão decida
Se a vela bailarina apaga
Quando a lua chega, nascida

Ana Oliveira

Iniquidade














Quando se banaliza a dor e o amor
Parece que o mar fica sem sal
E o medo é um gosto normal

Quando se esquece de agradecer
Passa o tempo sem se ver e depois
Para voltar, já não há como arrumar

Quando se mente para crescer
Um dia vira o poder, nada que nasce
Manchado, foge de ser desonrado.

Ana Oliveira

Soneto das horas





















Já não há tanta pressa
Nem louca promessa
Que não seja urgente
Do que já nasce ardente

Se o relógio enlouquece
O amor é ainda pior prece
Então deixa que o querer
Decida com o vento correr

Tênue chega o encontro
Num segundo de confronto
Das agulhas que se colam

Cada ponteiro tem sua hora
Quieta e latente demora
Do preciso girar do tempo

Ana Oliveira

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Vida



















Num palco sem retorno
Figurante de sua própria vida
Sem palmas, nem vaias
Absolutamente equivocado
O delírio geme, arde e rasga

Que pedaço de alegria lhe pertence?
Quanto falta para pagar o preço?
Quem tapou o fim do túnel?
Tem lua no céu do inferno?
Tem amor no coração do acaso?

No fundo da gaveta emperrada
Que não arruma há anos
Procura receita para o impulso
Encontra um papel amarelado
Carcomido ensaio sobre a ilusão.

Ana Oliveira

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Nós

Não estou de aniversário
Mas preciso de presente
Do hoje, desse.

Não estou em viagem
Mas preciso de passagem

Não sou porta-bandeira
Mas preciso que perceba
Que carrego comigo
Uma vida inteira

Não estou de brincadeira
Mas ser o bobo da corte
Foi a maneira que encontrei

Um pouco de sorte
De mar e de norte
É onde estou e preciso

Abismo
Que sou quando pulo
No escuro que arrisco

Não estou pra reticências
Mas preciso de silêncio
Do agora, deste.

A&M

Lili


A espera sentada
Olhando a estrada
Sonhando com ela
Arranhando a janela

Mais cedo que chega
Melhor lhe receba
O afago na porta
Amor que se importa

O sentir verdadeiro
Demonstra no cheiro
No abraço comprido
Do beijo lambido

Ana Oliveira

Metade
















Metade do invento, cimento
Metade da areia, clareia
Metade da saudade, maldade
Metade da verdade, idade
Metade do mato, perdido
Metade do ato, vontade
Metade do bicho, feitiço
Metade da tarde, cidade
Metade da calma, comida
Metade do medo, caminho
Metade da dança, sozinho
Metade da alma, vendida
Metade da casa, partida
Metade do prato, consciência
Metade do jogo, urgência
Metade da cama, paciência
Metade do rosto, espelho
Metade da pressa, coelho
Metade da morte, façanha
Metade do corpo, entranha
Metade da mala, passagem
Metade da vida, viagem.

Ana Oliveira

Não ligue













Não espero, cansada
Nem mais nada tanto
Que tanto faz
Dar de cara ou a cara
A tapa, a outra
Face ao desencanto
De ser só mais uma
Mera indiferença
Que abale teu plano
Ou engano que atrapalha
A vida que para saída
Não há na bebida
Que embala e espalha
Na alma ferida

Não quero que ligue
Pra aquilo que sinto
No meio do peito
Teu leito perdido
Que finge querido
E sossega tua ânsia
Que esquece da culpa
Desculpa do ego
No apego do corpo
Silêncio preciso
Refém da vontade
Que finge saudade
Desejo que manda
Engôdo ou verdade
Que aguarda consolo.

Ana Oliveira