Considero um tanto leviano tratarmos o amor como um simples desejo. Se ponderarmos algumas colocações acerca, por exemplo, do Banquete de Platão, percebemos que se trata de uma tragicomédia passada durante uma festa onde a maioria está sob forte influência etílica e por isso, vulneráveis a todo tipo de sentimento e suas variadas interpretações. A tragicomédia é satírica por natureza, logo, esse gênero literário tende a ironizar o homem e seus sentimentos mais “nobres”. Não é a toa que a visão platônica do amor virou um clichê, sinônimo de “amor impossível”, ou seja, perfeito. O amor, como os próprios filósofos tratam, é uma questão metafísica e por isso, carrega toda ambivalência do universo, sendo assim, não podemos mensurá-lo através de pares de oposição, bem/mal, bom/ruim, sagrado/profano.
Não estou aqui desmerecendo a grandiosa obra de Platão, nem mesmo desdenhando do desejo. Ele é uma manifestação humana que pode ou não estar relacionada com o amor (a psicanálise explica). No poema “Desejos”, de Carlos Drummond de Andrade, é possível observar que o desejo nem sempre vem imbuído de erotismo:
“Desejo a você
Fruto do mato
Cheiro de jardim
Namoro no portão
Domingo sem chuva
Segunda sem mau humor
Sábado com seu amor”
Basta pensarmos no amor que sentimos por nossos pais, irmãos, amigos. Pergunto então, esse amor é outro amor? Ele é separado por categorias? Por função? Aliás, ao ler O Banquete tive uma ótima percepção sobre o amor, principalmente quando é comparado à verdade e à sabedoria. Acredito que amor, verdade e sabedoria estão acima do desejo. Esse desejo que nos desumaniza, essa analogia com brinquedo, aquisição de bens de consumo e material está muito mais voltada a uma banalização dos sentimentos da vida contemporânea, inspirada na lógica da substituição, do descarte. Assistimos o amor sendo vendido nas prateleiras da mídia irresponsável e perversa.
E é dessa atrocidade que fujo quando me enterro no lirismo, porque acredito piamente no amor. Prefiro lê-lo pelas linhas de quem entende que a reciprocidade existe e se ela acontecer, o amor vai além do físico, posse ou egos inflados de desejo. Assim, prefiro confiar no que o brilhante poeta chileno, Pablo Neruda, escreveu: "Amo-te sem saber como, nem quando, nem onde, amo-te simplesmente sem problemas nem orgulho: amo-te assim porque não sei amar de outra maneira."
Ana Oliveira