terça-feira, 18 de agosto de 2015

Prenunciação





Vazio morava com Solidão. Sempre aflito, isolado. Fazia de tudo para encher-se. Viajava, comprava, consumia doces que se transformavam em devaneios amargos, amava tolas, vagas e ocas. Tudo inutilmente. Nutria uma paixão secreta por Solidão, platônica. Esgueirava-se pela casa espionando nos olhos vazados dos quadros, fechaduras e buracos na parede, inventava subterfúgios para chamar a atenção da amada. Nutria por ela um desejo doentio, quase mórbido, quase sádico, quase amor. Um dia decidiu declarar sua ânsia. Há muito viviam sob o mesmo teto, porém, não compartilhavam das mesmas angústias, tampouco das mesmas aflições. Solidão era forte, segura, resolvida. Vazio era indeciso, amargurado, distraído. Solidão ouviu a confissão quieta, sem proferir opinião alguma, esboçou apenas um sorriso amarelo e pediu para que Vazio fosse embora. Ele ficou ali, dentro do seu vão, sem órbita, não sabia e nem conseguia pensar em mais nada a não ser em imergir em si mesmo. E assim o fez, penetrou no precipício do vácuo e se foi. Solidão cravou uma placa no jardim: Há vagas. E muito em breve ouviram-se sonoras palmas. Era a liberdade pedindo se podia ali viver. Solidão mais que depressa abriu as portas e janelas de seu lar e de seu coração. Liberdade fez-lhe apenas um pedido: que Solidão deixasse que seu irmão de quando em quando a visitasse. A anfitriã ponderou, mas antes quis saber o nome do visitante. E tão breve como o voejar da borboleta, rendeu-se.

Afinal, não se pode negar nada ao Prazer. 


Ana Oliveira

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