quarta-feira, 5 de agosto de 2015

O não do amor


Amor não tem que preocupar, tem que ocupar. Ocupar o armário com as roupas que se abraçam no silêncio da noite. Ocupar o quarto com os cheiros que se confundem numa dança frenética, ora odor, ora perfume. A mesa com os vinhos das terças que são melhores que sábados. É encher a geladeira com o prato predileto que ocupa os intervalos entre filmes e beijos. É entrelaçar fortemente as pernas para ocupar todos os espaços entre as peles. Amor é ocupar o tempo para que ele se atrapalhe e esqueça de passar. É um ocupar-se de si mesmo para estar bem para e com o outro.  Amor é deixar a vida com vontade de se ocupar da outra que também é sua, que também é dela.

Amor não tem que prever, tem que ver. Ver que aquele rosto sorrindo esconde um cinza que quer ser aquarela, que deseja ser pincelado mais de saliva, menos de lágrima. Perceber que aquele “não” é apenas a potência de um sim que quer ser adivinhado, timidamente descoberto. Amor é também não ver. É não precisar ver aquilo que só pede para ser intuído, que só sonha em ser ouvido. É enxergar que aquela bagunça da casa, talvez seja a confusão de uma alma que está em reforma ou precisando de abraço. É não esperar que o outro apareça, procure, convide, mas o sossego da hora que só tarda, não demora. Amor não é antever o fracasso. É lamber a ferida com as palavras do alento que enfim repousa no colo da cumplicidade.   

Amor não tem que preparar, tem que parar. Parar de apontar no outro aquilo que o próprio espelho denuncia. Estancar o sangue da veia que desconfia do que mora apenas na mente de quem aprisiona o afeto.  Ele necessita parar de querer amar sozinho. Entender que solidão boa é a da escolha, não aquela em que dois corações batem em descompasso, em cada canto, em cada quarto. O amor tem que saber parar o choro sem sufocar as lágrimas que também lavam a dor. Não pode impedir a liberdade de voejar o seu livre arbítrio e de poder voltar para a gaiola do colo sempre vasto e a espera.  O amor precisa interromper a saudade quando a vontade já não responde aos estímulos da calma, sofre de urgência. 

Ana Oliveira

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